A
Serra do Rola-Moça
Por
Mário de Andrade
A
Serra do Rola-Moça
Não tinha esse nome não...
Eles eram do outro lado,
Vieram na vila casar.
E atravessaram a serra,
O noivo com a noiva dele
Cada qual no seu cavalo.
Antes que chegasse a noite
Se lembraram de voltar.
Disseram adeus pra todos
E se puseram de novo
Pelos atalhos da serra
Cada qual no seu cavalo.
Os dois estavam felizes,
Na altura tudo era paz.
Pelos caminhos estreitos
Ele na frente, ela atrás.
E riam. Como eles riam!
Riam até sem razão.
A
Serra do Rola-Moça
Não tinha esse nome não.
|
|
Porém
os dois continuavam
Cada qual no seu cavalo,
E riam. Como eles riam!
E os risos também casavam
Com as risadas dos cascalhos,
Que pulando levianinhos
Da vereda se soltavam,
Buscando o despenhadeiro.
Ali,
Fortuna inviolável!
O casco pisara em falso.
Dão noiva e cavalo um salto
Precipitados no abismo.
Nem o baque se escutou.
Faz um silêncio de morte,
Na altura tudo era paz ...
Chicoteado o seu cavalo,
No vão do despenhadeiro
O noivo se despenhou.
E a Serra do Rola-Moça
Rola-Moça se chamou.
As
tribos rubras da tarde
Rapidamente fugiam
E apressadas se escondiam
Lá embaixo nos socavões,
Temendo a noite que vinha.
|
Biografia
Mário
Raul de Morais Andrade nasceu na rua Aurora,
na cidade de São Paulo, em 9 de outubro
de 1893. Seu pai,
o dr. Carlos Augusto de Andrade, de origem
humilde, conseguira uma situação
financeira estável através
do próprio esforço e muito
trabalho. Sua mãe, dona Maria Luísa,
com quem Mário morou até o
fim da vida, descendia de bandeirantes,
mas não era rica. Quando adolescente,
era um estudante dispersivo, que tirava
notas baixas e só se destacava em
português. Enquanto seus irmãos
Carlos, mais velho e Renato, mais novo
pianista de talento, falecido ainda menino
- eram elogiados, Mário era considerado
a ovelha negra da família. De repente,
começou a estudar. Estudava música
até nove horas por dia, lia muito
e logo começou a ganhar fama de erudito. |
|
Retrato
de Mário de Andrade,
por Tarsila do Amaral, 1922
|
A
família passou a admitir o seu talento,
mas achava esquisitas suas preferências
literárias. Em 1917, morre seu pai. Mário
conclui, nesse mesmo ano, o curso de piano no
Conservatório Dramático e Musical
de São Paulo, publica seu livro de estréia
Há uma Gota de Sangue em cada Poema e
conhece Anita Malfatti e Oswald de Andrade.
Metódico e estudioso, torna-se catedrático
de história da música, no Conservatório
Dramático e Musical de São Paulo,
em 1922, e, para sobreviver, ainda dá
muitas aulas particulares de piano e escreve
artigos de crítica para diversas publicações.
Participa, como um dos principais organizadores,
da Semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal
de São Paulo, em 1922, e publica, nesse
mesmo ano, Paulicéia Desvairada (poesia),
em que radicaliza as experimentações
de vanguarda modernistas. Em 1927, publica Clã
do Jabuti, em que trabalha poeticamente as tradições
populares que pesquisava e o romance Amar, Verbo
Intransitivo, em que critica a hipocrisia sexual
da alta sociedade paulistana.
Em 1928, publica o romance Macunaíma,
uma das obras-primas da literatura brasileira,
em que reúne inúmeras lendas e
mitos indígenas para compor a história
do herói sem nenhum caráter,
que, invertendo os relatos dos cronistas quinhentistas,
vem da mata para a cidade de São Paulo.
Em 1934, é nomeado diretor do Departamento
de Cultura do Município de São
Paulo, onde permanece até 1938, quando
muda-se para o Rio de Janeiro para ser catedrático
de filosofia e história da arte e diretor
do Instituto de Artes da Universidade do Distrito
Federal. Não se adapta à mudança,
vive deprimido e, numa noite de porre
imenso bate com o punho na mesa do bar
e fala para si mesmo: Vou-me embora para
São Paulo, morar na minha casa.
Volta para São Paulo em 1940, trabalha
no Serviço de Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional, que ajudara a criar
em 36, e viaja por todo o Estado de São
Paulo, fazendo pesquisas.
Em 1942, publica O Movimento Modernista, famosa
conferência, em que faz o balanço
e a crítica de sua geração,
assinalando os erros do Modernismo, principalmente
o que considera como 'abstencionismo' diante
dos graves problemas sociais do seu tempo.
Sua saúde, já frágil, piora
a partir dessa época. Em 43, inicia a
publicação das suas Obras Completas,
planejada para sair em dezoito volumes.
Em 25 de fevereiro de 1945, aos 51 anos de idade,
Mário de Andrade sofre um ataque cardíaco
fulminante e morre, deixando inacabado o livro
Contos Novos (1946) em que se destacam narrativas
de inspiração freudiana, como
Vestida de Preto e Frederico
Paciência, e contos de preocupação
social, como O Poço e Primeiro
de Maio. Como crítico literário
seu legado é imenso. Em A escrava que
não é Isaura (1925), por exemplo,
reúne ensaios provocativos contra o passadismo.
Já nos Aspectos da Literatura Brasileira
(1943), aborda, de maneira bem menos passional,
os mais importantes escritores da literatura
brasileira.
Com sua morte precoce o Brasil ficou órfão
de um dos seus mais fecundos, múltiplos
e íntegros intelectuais que, certa feita,
definiu-se como trezentos, sou trezentos-e-cincoenta.
Números muito modestos, levando-se em
conta sua importância para a cultura brasileira
do século 20.
O
Brasil na década de 20
A sociedade brasileira, no tempo em que surgiu
Macunaíma, parecia bastante mudada. Já
não tinha aquele ar de fazenda que respiramos
durante 4 séculos. Havia muitas fábricas
(principalmente em São Paulo), grandes
aglomerados urbanos, com populações
de quase 1 milhão de habitantes. O comércio
e a indústria prosperavam rapidamente,
graças ao mercado consumidor formado
pelos moradores das cidades e pelos colonos
de origem estrangeira. As mulheres fumavam,
iam sozinhas ao cinema, exibiam as pernas. Algo
impressionava bastante os brasileiros daquele
tempo: a velocidade dos meios de comunicação
e transporte! Eram carros, bondes, trens, telégrafos,
rádios, telefones...empresas, bancos,
bolsas de valores...
Desde 1922, o país parecia estar em ebulição:
além da Semana de Arte Moderna, foi criado
o Partido Comunista e iniciado o movimento tenentista,
que, durante toda a década de 20, desafiou
o governo federal. O clímax deste movimento
foi a Coluna Prestes que percorreu 33 mil quilômetros
do interior do Brasil, travando mais de 100
combates, em dois anos e meio (1924-1927). Arthur
Bernardes e Washington Luís usaram todos
os meios para combatê-la, lançando
até o cangaceiro Lampião no seu
encalço. A Coluna, porém, não
teve força para derrubar o governo central,
nem conseguiu rebelar o povo contra o regime.
Esgotada, embora invicta, internou-se na Bolívia.
No entanto, a imagem de Luís Carlos Prestes,
com seus prodígios de técnica
militar e de bravura pessoal, constituiu um
mito que exerceu sobre os intelectuais de esquerda
(entre os quais se incluíam Mário
de Andrade, Murilo Mendes e Carlos Drummond
de Andrade) uma grande fascinação.
O tenentismo (com seus levantes ao longo da
década) aliado à crise desencadeada
pelo estouro da Bolsa de Nova Iorque em 1929,
são fatos que se somam para derrubar
a República Velha na triunfante Revolução
de outubro de 1930
A
Semana de Arte Moderna
A
semana na realidade durou três dias. Mas
nunca três dias abalaram tanto o mundo
da arte brasileira. Nos dia 13, 15 e 17 de fevereiro
de 1922, sob o apadrinhamento do romancista
pré-modernista Graça Aranha, os
jovens paulistanos empenhados em revolucionar
a arte apresentaram, pela primeira vez em conjunto,
suas idéias de vanguarda.
A Semana, realizada no Teatro Municipal de São
Paulo, foi aberta com a conferência A
emoção estética na arte,
de Graça Aranha, em que atacava o conservadorismo
e o academicismo da arte brasileira. Seguiram-se
leituras de poemas de, entre outros, Oswald
de Andrade e Manuel Bandeira, que não
pôde comparecer e cujo poema Os Sapos
foi lido por Ronald de Carvalho sob um coro
de coaxos e apupos.
Mário de Andrade leu seu ensaio A
escrava que não é Isaura
nas escadarias do teatro. Obras de Anita Malfatti,
Di Cavalcanti, Victor Brecheret e outros artistas
plásticos e arquitetos foram expostas.
Por fim, apresentaram-se a pianista Guiomar
Novaes e o maestro e compositor Heitor Vila-Lobos,
que não foi poupado das vaias. Como se
vê, a recepção da Semana
não foi tranqüila. As ousadias modernistas
inquietavam e irritavam o público
Mário
de Andrade e o Modernismo
Foram
a Semana de 22 e seus desdobramentos que projetaram
Mário de Andrade como figura decisiva
do movimento modernista. No processo de implantação
da nova mentalidade cultural, Mário destacou-se
como teorizador e ativista cultural. Com a determinação
própria dos líderes que pretendem
injetar uma nova consciência, multiplicou-se
em músico, pesquisador de etnografia
e folclore, poeta, contista, romancista, crítico
de todas as artes, correspondente cultural que
troca cartas com artistas novos consagrados,
além de ter ocupado vários cargos
na burocracia estatal, relacionados com o desenvolvimento
da cultura em suas várias manifestações.
Era um sujeito muito sério, católico
fervoroso, dotado de uma capacidade extraordinária
de estudo e ação. Com carisma
e afeto, conseguiu colocar a renovação
modernista no trilho de um presente e de um
futuro culturais marcados por um nacionalismo
arejado e lúcido.
Música
de fundo em arquivo MID (experimental):
"Amor de índio", de Beto Guedes
Nota para a seqüência Midi: ****
Participe
do Jornal
dos Amigos,
cada vez mais um jornal cidadão
O
Jornal dos Amigos agradece aos seus colaboradores
e incentiva os leitores a enviarem textos, fotos
ou ilustrações com sugestões
de idéias, artigos, poesias, crônicas,
amenidades, anedotas, receitas culinárias,
casos interessantes, qualquer coisa que possa
interessar seus amigos. Escreva para o e-mail:
Se
o conteúdo estiver de acordo com a linha
editorial do jornal, será publicado.
Não esqueça de citar seu nome,
a cidade de origem e a fonte da informação.