A notícia como um vírus
Por Carlos Castilho, jornalista renomado, tendo sido editor de telejornais da TV Globo e chefe do escritório dessa emissora em Londres, além de ter participado como repórter, redator e editor de outros veículos com expressão nacional |
Fonte: Observatório
da Imprensa
O último número da publicação acadêmica
Nieman Reports
sugere que, na era virtual, a notícia deve ser tratada como se fosse
um vírus em vez de uma mercadoria ou produto acabado. A proposta está
no
artigo de Melissa Ludtke, a editora do número especial da Nieman
Reports dedicado às perspectivas do jornalismo na internet, no qual
ela insiste na necessidade de procurar uma redefinição do
conceito de notícia, dando ênfase a um enfoque dinâmico
baseado na remixagem, recombinação ou mash-up de conteúdos.
Melissa Ludtke afirma que, no ambiente virtual, os jornalistas terão que se acostumar com a idéia de que a notícia inevitavelmente escapará do seu controle. Que uma vez publicada, ela será comentada, complementada e refeita num circuito formado por weblogs, listas de discussão, comunidades online, chats e páginas wiki, sem que o autor original possa interferir no processo.
A metáfora viral da notícia pode não ser perfeita, mas nos ajuda a entender melhor como a recombinação, remixagem ou mash up funcionam na prática. Um vírus, uma vez instalado num organismo, multiplica-se segundo parâmetros que muitas vezes resultam imcompreensiveis até para médicos e pesquisadores. Há vírus mutantes como o da cárie e o da Aids, que mudam de forma tornando o seu combate quase impossível. Eles modificam os ambientes onde se instalam e se recombinam constantemente.
Até agora os jornalistas eram o canal privilegiado de comunicação entre os políticos e o público, mas esta situação está mudando rapidamente. O presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, por exemplo, prefere divulgar as suas decisões na sua página web em vez da televisão e jornais. Seus pronunciamentos ao país saem primeiro no site YouTube e a troca de opiniões com o público acontece no site Change.gov.
A comparação aos virus é mais uma tentativa de procurar redefinir a notícia. Trata-se de um processo em andamento e sem prazo para terminar. Como Melissa Ludtke assinala, temos hoje mais perguntas do que respostas e mais dúvidas do que certezas. Quem tem mais urgência na busca de uma nova definição de notícia são os executivos da mídia, porque está em jogo a materia prima de uma indústria em crise.
É nesta nervosa busca por uma definição
de notícia que jornais como o Miami Herald resolveram ouvir os leitores
num polêmico projeto chamado "Why We Do What We Do" (Por que
fazemos o que fazemos). O jornal submete coberturas importantes ao crivo dos
leitores em eventos nos quais os participantes podem questionar correspondentes,
fotógrafos e editores. Nancy San Martin, editora assistente da seção
internacional do Herald e autora
de um dos textos do Nieman Report, admite que ainda é cedo para
avaliar os resultados da experiência, mas uma coisa já é
quase certa, segundo ela: O que os leitores consideram notícia
tem pouco a ver com o que a redação acha que é.
Paixão e vida de um jornal
Por Sebastião
Nery, jornalista da Tribuna da Imprensa
Fonte: Site do autor
SALVADOR O Panteon (salão nobre) do velho, venerando e trisecular Seminário Central de Santa Tereza da Bahia, entre a Ladeira de Santa Tereza e a rua do Sodré (hoje o Museu de Arte Sacra da Bahia), estava cheio de padres e bispos naquela tarde de dezembro de 1949.
Na frente, na mesa, o Padre Reitor, Monsenhor Monteiro, o diretor do Seminário Menor, Monsenhor Veiga, dois bispos e um homem magro, narigudo, olhos fortes atrás dos óculos bem pretos: Carlos Lacerda, jornalista do Rio de Janeiro. Nós, seminaristas do Seminário Maior (Filosofia e Teologia), tínhamos sido chamados para tambem ouvi-lo. Não sei se ele estava ali por conseqüência do Congresso Eucarístico Nacional, que acabava de realizar-se aqui em Salvador, em comemoração dos 400 anos de fundação da cidade. Mas ele era o dono da reunião.
Carlos Lacerda
Em um silencio de claustro, começou a falar, com seu galopante vozeirão de barítono. Citou amigos e companheiros da intelectualidade católica do Rio: Padre Helder Câmara, Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde), Gustavo Corção, Octavio Faria, Gladistone Chaves de Melo etc.
Seu recado era claro e direto: a imprensa brasileira era comandada por homens sem nenhum compromisso com os princípios cristãos e a Igreja Católica: Assis Chateaubriand, o super-poderoso, Paulo Bittencourt e Roberto Marinho no Rio, Julio de Mesquita Filho e outros em São Paulo.
E mais, e pior: os norte-americanos estavam entrando no Brasil, a partir das crianças, da juventude, das famílias, com seu enxame de revistas em quadrinhos, traduzidas e distribuídas pelo Grupo Disney. E a ideologia deles nada tinha a ver com a Igreja Católica. Pelo contrario: eram agnósticos
Tribuna da Imprensa
Carlos Lacerda queria e pedia o apoio da Igreja Católica para um jornal que iria lançar em breve, muito em breve, logo, logo: a Tribuna da Imprensa, que seria a voz anunciadora de um novo tempo na imprensa brasileira. Atrás dela, viriam revistas para pregarem uma visão cristã e católica da vida e um caminho cristão e católico para o Brasil.
Foi aplaudido e calorosamente apoiado. Saiu dali com um pequeno exército de alguns bispos, padres e seminaristas encantados com seu projeto, suas propostas e inteiramente conquistados pelo fervor de sua oratória ardorosa, convincente, irresistível. Um soldado de Cristo.
Foi embora e cumpriu a promessa: antes que aquele mês de dezembro de 1949 se acabasse, estava circulando no Rio de Janeiro a Tribuna da Imprensa, um jornal diferente, nascido para o bom combate.
UDN
Em 1950, alguns exemplares circularam pelo Seminário, como jóia rara, já que nós seminaristas não tínhamos acesso à imprensa do sul. Mas a partir do ano seguinte, estudante, professor e jornalista em Minas, passei a ler a Tribuna todos os dias, já que chegava invariavelmente a Belo Horizonte, até pela força da UDN, da qual Lacerda era estandarte.
Lia diariamente aqueles seus artigos em letras gordas, do alto a baixo da página, como se tivessem sido escritos em cima de um cavalo a galope. E Duarte Filho, Stefan Baciu, Gladstone Chaves de Mello, tantos. De repente, passei a discordar completamente. Eu apoiava Juscelino para Presidente e a UDN de Lacerda era cada dia mais um terremoto golpista.
Helio Fernandes
Veio o golpe de 64, Lacerda no comando, todos nós na cadeia. Impossibilitado de manter-se ao mesmo tempo na direção do jornal e no governo da Guanabara, Lacerda já havia passado a direção do jornal para o filho Sérgio. E logo Helio Fernandes assumia o jornal com todas as responsabilidades de uma voz sempre poderosa na política do Rio.
Helio pagou o preço desde o primeiro instante. A política econômica de Roberto Campos era um crime contra a Nação e Helio denunciava. Havia torturas nos quartéis e Helio denunciava. Começava a censura à imprensa e Helio denunciava. Em 1966, todos os institutos de pesquisa apontavam Helio como o deputado que seria o mais votado da Guanabara.
A mesquinharia e covardia política de Castelo Branco e seu ministro da Justiça Juracy Magalhães cassaram Helio Fernandes na véspera da eleição. E logo veio o tropel das violências: confinado em Fernando de Noronha, Corumbá, Pirassununga, dezenas de vezes preso. E a censura permanente no jornal, o mais censurado da imprensa brasileira.
40 anos
Em agosto de 68, entrei no escritório da Editora Saga, no Edificio Avenida Central, no Rio, de José Aparecido, Fernando Gasparian e Helio Ramos, os três cassados pela ditadura. Também lá Enio Silveira e Helio Fernandes, que naquele dia havia escrito uma nota elogiando meu livro Sepulcro Caiado, o Verdadeiro Juracy. Agradeci e logo ele me perguntou por que não escrevia na Tribuna. No dia seguinte, comecei minha coluna.
E já são 40 anos, com cinco anos de intervalo na Última Horta. Como o jornal não se dobrava, não negociava, apelaram para a violência. Uma bomba brutal explodiu o jornal inteiro, oficinas, redação, tudo. Veio a anistia, todos os atingidos recebendo reparações e indenizações. Juizes e Tribunais mandaram indenizar a violência à Tribuna. O governo Lula (logo ele!) recorreu e um ministro do Supremo há 3 anos segura o processo.
Um crime contra a imprensa brasileira. O jornal, exangue, suspendeu a circulação. Mas os governos passam e a Tribuna voltará, reviverá.
Nota: A edição impressa da Tribuna da Imprensa foi suspensa no dia 2 de dezembro, mas voltou a circular semanalmente a partir do dia 11 de dezembro, às quintas ou sextas-feira. A versão na Internet continua.
Música
de fundo em arquivo MIDI (experimental):
"Variation in conventry"
Nota para a seqüência Midi: *****
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