A flor do maracujá
Por
Fagundes Varela
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Pelas
rosas, pelos lírios,
Pelas abelhas, sinhá,
Pelas notas mais chorosas
Do canto do Sabiá,
Pelo cálice de angústias
Da flor do maracujá! |
Pelo
jasmim, pelo goivo,
Pelo agreste manacá,
Pelas gotas de sereno
Nas folhas do gravatá,
Pela coroa de espinhos
Da flor do maracujá.
Pelas
tranças da mãe-d'água
Que junto da fonte está,
Pelos colibris que brincam
Nas alvas plumas do ubá,
Pelos cravos desenhados
Na flor do maracujá.
Pelas
azuis borboletas
Que descem do Panamá,
Pelos tesouros ocultos
Nas minas do Sincorá,
Pelas chagas roxeadas
Da flor do maracujá!
Pelo
mar, pelo deserto,
Pelas montanhas, sinhá!
Pelas florestas imensas
Que falam de Jeová!
Pela lança ensangüentado
Da flor do maracujá!
Por
tudo que o céu revela!
Por tudo que a terra dá
Eu te juro que minh'alma
De tua alma escrava está!!!...
Guarda contigo este emblema
Da flor do maracujá!
Não
se enojem teus ouvidos
De tantas rimas em - a -
Mas ouve meus juramentos,
Meus cantos ouve, sinhá!
Te peço pelos mistérios
Da flor do maracujá!
Névoas
Por
Fagundes Varela
Nas horas tardias que a noite desmaia
Que rolam na praia mil vagas azuis,
E a lua cercada de pálida chama
Nos mares derrama seu pranto de luz,
Eu vi entre os flocos de névoas imensas,
Que em grutas extensas se elevam no ar,
Um corpo de fada sereno, dormindo,
Tranqüila sorrindo num brando sonhar.
Na forma de neve
puríssima e nua
Um raio da lua de manso batia,
E assim reclinada no túrbido leito
Seu pálido peito de amores tremia.
Oh! filha das névoas!
das veigas viçosas,
Das verdes, cheirosas roseiras do céu,
Acaso rolaste tão bela dormindo,
E dormes, sorrindo, das nuvens no véu?
O orvalho das noites
congela-te a fronte,
As orlas do monte se escondem nas brumas,
E queda repousas num mar de neblina,
Qual pérola fina no leito de espumas!
Nas nuas espáduas,
dos astros dormentes
Tão frio não sentes o pranto
filtrar?
E as asas, de prata do gênio das noites
Em tíbios açoites a trança agitar?
Ai! vem, que nas nuvens
te mata o desejo
De um férvido beijo gozares em vão!...
Os astros sem alma se cansam de olhar-te,
Nem podem amar-te, nem dizem paixão!
E as auras passavam
e as névoas tremiam
E os gênios corriam no espaço
a cantar,
Mas ela dormia tão pura e divina
Qual pálida ondina nas águas do mar!
Imagem formosa das nuvens
da Ilíria,
Brilhante Valquíria das brumas
do Norte,
Não ouves ao menos do bardo os clamores,
Envolto em vapores mais fria que a morte!
Oh! vem; vem, minh'alma!
teu rosto gelado,
Teu seio molhado de orvalho brilhante,
Eu quero aquecê-los no peito incendido,
Contar-te ao ouvido paixão delirante!...
Assim eu clamava tristonho
e pendido,
Ouvindo o gemido da onda na praia,
Na hora em que fogem as névoas sombrias
Nas horas tardias que a noite desmaia.
E as brisas da aurora
ligeiras corriam.
No leito batiam da fada divina...
Sumiram-se as brumas do vento à bafagem,
E a pálida imagem desfez-se em neblina!
Biografia
Luís
Nicolau Fagundes Varela nasceu em 1841, na Fazenda Santa
Rita, em Rio Claro (RJ). Em 1859 transferiu-se para
São Paulo, mas só conseguiu ingressar
na faculdade de direito em 1862, casando-se no mesmo
ano. Daqui por diante a vida foi-lhe um rosário
de boêmia, de infelicidades, de intemperança
alcoólica, mas de fecundidade poética
e de extraordinária inspiração.
Um ano passou em Recife (1865) continuando o curso de
direito (3º ano). Em 1866 está de volta
a São Paulo, matriculando-se no 4º ano.
Os sofrimentos
morais levam-no a abandonar o curso e todos os compromissos
sociais: só duas realidades o consolam - a poesia
e a natureza. Influenciado pelos últimos suspiros
do byronismo estudantil paulistano, dedica-se
à boêmia e à bebida, atraído
constantemente pela marginalidade. A morte de seu primeiro
filho inspira-lhe seu mais conhecido poema, Cântico
do Calvário. Tenta concluir o curso de
direito em Recife, mas a morte da esposa o faz retornar
a São Paulo. Abandona, então, a faculdade
e retorna à fazenda onde nascera, continuando
a escrever poesia.
Casando-se outra vez, muda-se para Niterói, onde
se entrega à bebida. Em 1875, com trinta e quatro
anos, morre de apoplexia, deixando uma esposa (segundo
matrimônio), duas filhinhas e uma obra poética
de fulgurações de gênio: Noturnas
(São Paulo, 1861); O estandarte auriverde (São
Paulo, 1863); Vozes da América (São Paulo,
1864); Cantos e fantasias (Paris, 1865); Cantos. meridionais
(São Paulo, 1809); Cantos do ermo e da cidade
(Paris, 1869); Anchieta ou o Evangelho nas selvas (Rio,
1875); Cantos Religiosos (Rio, 1878) e Diário
de Lázaro (Rio, 1880). Publicaram-se as Obras
Completas em três volumes (Havre, 1886), editadas
pela Livraria Garnier.