Um dia em Camp David

Por Carlos Chagas, jornalista

Fonte: Tribuna da Imprensa
25 março, 2007

BRASÍLIA - Sábado que vem o presidente Lula será recebido em Camp David pelo presidente Bush. Em vez da Casa Branca, a casa de veraneio, o que não deixa de constituir uma deferência do americano. A visita estava programada antes que Bush surpreendesse a América Latina em viagem programada às pressas, quando conversou com Lula em São Paulo.

Será o encontro, dentro de uma semana, um videoteipe daquele ocorrido dias atrás? O Itamaraty espera o contrário, dada a pormenorizada agenda de temas em preparo, mas ninguém garante que o presidente brasileiro, dentro de suas peculiaridades, venha a fazer do etanol assunto exclusivo do diálogo.

EUA não param de investir em petróleo
Aqui poderão começar as frustrações. Porque o presidente dos Estados Unidos simplesmente responderá que só em 2009, quando não estiver mais no poder, o Congresso americano poderá rever a decisão de taxar o álcool brasileiro exportado para lá. A alternativa para o Brasil, assim, precisará atravessar os oceanos. O Atlântico, para tentar vender o produto à Europa, e o Pacífico, visando à China e ao Japão.

A pergunta que se faz é se tanto a União Européia quanto chineses e japoneses estarão dispostos a aumentar suas encomendas e a aderir à campanha pela energia tirada da biomassa. Enfrentarão, todos, a má vontade dos Estados Unidos, porque, apesar das palavras amenas de George W. Bush em favor do etanol, tanto ele, pessoalmente, como as principais empresas americanas não se dispõem a abrir mão dos investimentos feitos em petróleo. Até guerras têm sido desencadeadas para a preservação do controle da atividade petrolífera por eles, equivale a dizer, aderir à energia tirada da biomassa, só se puderem obter o mesmo controle.

Esse será, mesmo nas entrelinhas, o grande interesse de Bush. Sob a promessa futura e incerta da redução das barreiras fiscais ao nosso álcool, o que o governo americano quer, mesmo, é dominar o ciclo da sua produção, comercialização e distribuição. Traduzindo: que o Brasil facilite a aquisição de usinas de álcool pelas multinacionais, coisa que já vem acontecendo, que permita a aquisição sem restrições de vastas glebas para plantio, em território brasileiro, e que não constitua nenhuma empresa de economia mista do tipo Petrobras para cuidar da distribuição mundial do produto.

Coincidência ou não, desde que aderiu à idéia da criação dessa nova superempresa, em conversa com o cientista Bautista Vidal, meses atrás, o presidente Lula não voltou mais a tocar no assunto. Teme resistências internas, pois nossas forças neoliberais certamente criticarão a iniciativa, mas a reação externa parece preocupá-lo muito mais. De nada adiantará o Brasil tornar-se o novo celeiro energético do mundo se o controle dessa riqueza escapulir de nossas mãos. Será por isso que o presidente chamou de heróis os usineiros que antes verberava?

Vale aguardar não as fotografias dos dois presidentes, abraçando-se e passeando nos galinheiros de Camp David, mas as informações que mais tarde fluirão obrigatoriamente. Difícil será mudar a matriz energética mundial, mas muito mais difícil parece a preservação do seu controle em nossas mãos.


Obrigado, presidente Bush
Enviado por Glauber Pinheiro, Rio de Janeiro-Capital

Por Paulo Coelho, publicado em 20 de março no site do jornal "Le Monde"

Obrigado, grande líder George W. Bush.

Obrigado por mostrar a todos o perigo que Saddam Hussein representa.

Talvez muitos de nós tivéssemos esquecido de que ele utilizou armas químicas contra seu povo, contra os curdos, contra os iranianos. Hussein é um ditador sanguinário, uma das mais claras expressões do mal hoje.

Entretanto essa não é a única razão pela qual estou lhe agradecendo.

Nos dois primeiros meses de 2003, o sr. foi capaz de mostrar muitas coisas importantes ao mundo, e por isso merece minha gratidão.

Assim, recordando um poema que aprendi na infância, quero lhe dizer obrigado.

Obrigado por mostrar a todos que o povo turco e seu Parlamento não estão à venda, nem por 26 bilhões de dólares.

Obrigado por revelar ao mundo o gigantesco abismo que existe entre a decisão dos governantes e os desejos do povo.

Por deixar claro que tanto José María Aznar como Tony Blair não dão a mínima importância e não têm nenhum respeito pelos votos que receberam. Aznar é capaz de ignorar que 90% dos espanhóis estão contra a guerra, e Blair não se importa com a maior manifestação pública na Inglaterra nestes 30 anos mais recentes.

Obrigado porque sua perseverança forçou Blair a ir ao Parlamento com um dossiê falsificado, escrito por um estudante há dez anos, e apresentar isso como "provas contundentes recolhidas pelo serviço secreto britânico".

Obrigado por fazer com que Colin Powell se expusesse ao ridículo, mostrando ao Conselho de Segurança da ONU algumas fotos que, uma semana depois, foram publicamente contestadas por Hans Blix, o inspetor responsável pelo desarmamento do Iraque.

Obrigado porque sua posição fez com que o ministro de Relações Exteriores da França, sr. Dominique de Villepin, em seu discurso contra a guerra, tivesse a honra de ser aplaudido no plenário, honra que, pelo que eu saiba, só tinha acontecido uma vez na história da ONU, por ocasião de um discurso de Nelson Mandela.

Obrigado porque, graças aos seus esforços pela guerra, pela primeira vez as nações árabes, geralmente divididas, foram unânimes em condenar uma invasão, durante encontro no Cairo.

Obrigado porque, graças à sua retórica afirmando que "a ONU tem uma chance de mostrar sua relevância", mesmo países mais relutantes terminaram tomando posição contra um ataque.

Obrigado por sua política exterior ter feito o ministro de Relações Exteriores da Inglaterra, Jack Straw, declarar em pleno século 21 que "uma guerra pode ter justificativas morais" e, ao declarar isso, perder toda a credibilidade.

Obrigado por tentar dividir uma Europa que luta pela sua unificação; isso foi um alerta que não será ignorado.

Obrigado por ter conseguido o que poucos conseguiram neste século: unir milhões de pessoas, em todos os continentes, lutando pela mesma idéia, embora essa idéia seja oposta à sua.

Obrigado por nos fazer de novo sentir que, mesmo que nossas palavras não sejam ouvidas, elas pelo menos são pronunciadas, e isso nos dará mais força no futuro.

Obrigado por nos ignorar, por marginalizar todos aqueles que tomaram uma atitude contra sua decisão, pois é dos excluídos o futuro da Terra.

Obrigado porque, sem o sr., não teríamos conhecido nossa capacidade de mobilização. Talvez ela não sirva para nada no presente, mas será útil mais adiante.

Agora que os tambores da guerra parecem soar de maneira irreversível, quero fazer minhas as palavras de um antigo rei europeu a um invasor: "Que sua manhã seja linda, que o sol brilhe nas armaduras de seus soldados, porque durante a tarde eu o derrotarei".

Obrigado por permitir a todos nós, um exército de anônimos que passeiam pelas ruas tentando parar um processo já em marcha, tomarmos conhecimento do que é a sensação de impotência, aprendermos a lidar com ela e a transformá-la.

Portanto, aproveite sua manhã e o que ela ainda pode trazer de glória.

Obrigado porque não nos escutastes e não nos levaste a sério. Pois saiba que nós o escutamos e não esqueceremos suas palavras.

Obrigado, grande líder George W. Bush.

Muito obrigado.


O insuportável brilho dos Estados Unidos
Enviado por Isolda Harris, Fortaleza-CE

Por Maria Lucia Victor Barbosa, socióloga
E-mail: mlucia@sercomtel.com.br

9 março, 2007

A vinda do presidente Bush ao Brasil, que muitos dizem, com razão, ser tardia para barrar a influência exercida por Hugo Chavez, suscita algumas reflexões sobre o agudo sentimento antiamericano, existente na América Latina, que, se sempre existiu, agora está exacerbado. O que motiva isso?

Por volta de mil e setecentos, as colônias que compunham os impérios espanhol e português pareciam sinalizar para um futuro rico e pleno de êxito, se comparadas com as da América do Norte. Entretanto, fatores culturais, ligados ao tipo de colonização e gerados ao longo do processo histórico, conferiram destinos diferentes às Américas do Norte e do Sul.

Os Estados Unidos, de país agrícola e produtor de matérias-primas, trocadas por produtos industrializados, se converteram em potência industrial e na nação mais poderosa do mundo. Ao poderio industrial, financeiro e bélico, os norte-americanos adicionaram o primado científico e, a partir de 1923, começaram a conquistar prêmios Nobel de medicina, de física, de química. Os norte-americanos foram os primeiros a fazer a bomba atômica, o reator nuclear, a mandar o homem à lua. Práticos, objetivos, criativos, determinados, eles construíram uma "novus ordo seculorum”, a partir do espírito liberal, que privilegia a democracia e o respeito ás leis.

Em sua obra, Democracia na América (1835-1840), observou Alexis de Tocqueville, sobre os Estados Unidos: Os homens ali se mostram mais iguais pela riqueza e pela inteligêcia ou, por outras palavras, mais igualmente fortes do que em qualquer outro país do mundo e do que em qualquer outro século relembrado pela história
É brilho demais a ofuscar, de modo insuportável, os latino-americanos que, no fundo, sonham ser os Estados Unidos e não conseguem.

Não precisaríamos ter tido uma história de fracassos, mas a questão foi que tivemos uma embriogenia defeituosa e, tanto nas colônias espanholas, quanto na portuguesa, surgiram sociedades invertebradas sem, como diria Ortega y Gasset, potência verdadeiramente substancial que impulsiona e nutre um processo nacional: um projeto sugestivo de vida em comum. Não tivemos a comunidade de propósitos das colônias inglesas, aquele elo que faz com que grupos integrantes convivam, não, por estar juntos, mas, sim, por fazer algo juntos.

O que prevaleceu, na América Latina, foram as sociedades desiguais; o isolamento entre as camadas sociais; a falta minorias seletas, que comandassem o processo emancipatório; a inexistência do espírito associativo, substituído pela vivência, no pequeno mundo familiar ou clânico; os governos perdulários; os caudilhos incompetentes. A soma de tais fatores gerou o atraso econômico e, sobretudo, a mentalidade do atraso.

No nosso subdesenvolvimento político e econômico, onde a corrupção é endêmica, padecemos como se vivêssemos exilados em terra própria. Sentimentos contraditórios, de altivez e inferioridade, nos acometem e, na ânsia de nos libertarmos da síndrome do fracasso, cujas raízes se prendem ao passado, preferimos descarregar nossa frustração em possíveis culpados, aqueles que seriam responsáveis pelos problemas que nós próprios criamos. Culpamos, de Colombo a Bush, por nossas fraquezas e mazelas. Só nos esquecemos de perguntar o que fizemos a nós mesmos.

Jean-François Revel, na introdução à obra de Carlos Rangel, "Do Bom Selvagem ao Bom Revolucionário", afirma que a história da América Latina prolonga a contradição, que lhe deu origem. Oscila entre as falsas revoluções e as ditaduras anárquicas, a corrupção e a miséria, a ineficácia e o nacionalismo exacerbado. Conclui dizendo que o êxito, insolente, dos Estados Unidos, tornou-se um fator adicional de amargura para nós.

Para nos contrapormos, aos nossos males, devemos nos tornar socialistas. Seríamos revolucionários de esquerda. Mas, como disse Roberto Campos, como pessoa física, somos comunistas, como pessoa jurídica, somos capitalistas (grifo do JA). Não suportamos o liberalismo, que nunca tivemos. Não importa se o socialismo, em toda parte em que foi implantado, acabou com a liberdade, anulou o indivíduo, subjugou, através do Estado tirânico. Se, antigamente, gritava-se "fora ianque", hoje, é a mesma coisa. Ficamos paralisados no tempo, como aquelas músicas mexicanas, tipo Cucurucucu Paloooooomaaaaaaaaaaaaa. Somos incapazes de virar o disco.

Na visita de Bush, vejo manifestações de nossas "garbosas" esquerdas, agitando bandeiras vermelhas pelo Brasil afora. Não aparecem passeatas ou manifestações contra a corrupção, a violência, os impostos escorchantes, a má qualidade da saúde e da educação, o pífio crescimento econômico.

A realidade, porém, é que não podemos viver sem capitalismo e até a China restituiu ao povo a propriedade privada. Nós, filhos dependentes do pai-Estado, estamos felizes, transferindo nosso capital para os políticos profissionais ou para países amigos como, por exemplo, a Bolívia.

Yes, nós amamos Chavez e odiamos Bush.

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Música de fundo em arquivo MID (experimental):
"Zarathustra", de Eumir Deodato
Nota para a seqüência MIDI: *****

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Belo Horizonte, 27 março, 2007

Política internacional