Pinochet não foi um monstro

Por Mário Maestri, historiador e professor da UPF. Estudou, como exilado,
no Chile, de 1971 a 1973

E-mail: maestri@via-rs.net

Fonte: Fazendo Media
13 dezembro, 2006

A morte de Augusto Pinochet, aos 91 anos, em Santiago, vai ensejar que se escreva gatos e sapatos sobre o comandante do movimento cívico-militar que derrubou Salvador Allende. Porém, o finado não foi o monstro inventor da maldade. Pinochet nasceu em Vaparaíso, em 1915, e estudou em colégios religiosos, antes de entrar na escola militar. Oficial da infantaria, casou-se bem, em 1943. Teve cinco filhos e vários netinhos, aos quais era, segundo dizem, aficionado.

Pinochet realizou carreira sem sobressaltos, normal em exército civilista, para os padrões latino-americanos. Serviu através do país, fez a Escola de Estado Maior, ensinou no Colégio Militar. Foi promovido a general de Divisão e nomeado comandante de Santiago, em janeiro de 1971, e chefe do Exército, em agosto de 1973, por Allende, que acreditou nele, após despachar Prats, o general democrata que lhe apresentara a indecente proposta de cortar as cabeças dos golpistas, antes que cortassem a da população chilena.

Pinochet foi nomeado porque fizera carreira militar apolítica e não era mais reacionário do que os outros altos oficiais, quase sem exceções conservadores. Foi um azar da sorte que esse burocrata estivesse à frente do Exército, em setembro de 1973. Apenas montou no cavalo encilhado. Se não o fizesse, um outro o faria e comentaríamos hoje a morte do general Fernandez ou Gutierrez, que teria feito, certamente, tudo igual.

É injusto acusar apenas Pinochet e os altos oficiais pelos certamente mais de cinco mil populares massacrados e as dezenas de milhares de chilenos com os corpos, espíritos e vidas destruídos. Os atos que se seguiram ao 11 de setembro foram apoiados pelo empresariado e setores abastados. Ainda se combatia e chilenos abonados deduravam colegas, vizinhos e parentes. Os militares cumpriram apenas o que lhes pediram.

Não devemos demonizar os chilenos alcagüetes. Eles opuseram-se ao socialismo por que temiam, com razão, perder privilégios, propriedades, o direito à exploração. O programa da Unidade Popular, tido então como reformista, era super-revolucionário, em relação a hoje. Propunha aumentar salários, estatizar minas e bancos, erradicar o latifúndio produtivo e improdutivo etc. Não só disse como cumpriu mais do que prometera, sob a pressão popular. Qualquer comparação entre Lula-PT e Allende-UP é grave ofensa, para uns e outros!

Devido à sabotagem do capital e à mobilização popular, a nacionalização econômica foi além do previsto. Em setembro de 1973, a maior parte da economia estava nas mãos dos trabalhadores, funcionando sem problemas. O empresariado, as classes abonadas e a alta oficialidade não inventaram o perigo vermelho. Enfrentaram revolução em marcha, impulsionada por movimento social consciente, organizado, combativo.

É injustiça acusar apenas os direitistas chilenos. Os golpistas foram apoiados, diretamente, pelos USA e, indiretamente, pelo chamado Mundo Livre. Na época, era forte a luta revolucionária. Os chefes das ditaduras e democracias festejaram o fim do governo socialista. Entre os mais exultantes, estava a ditadura brasileira. A nossa embaixada foi a única a não abrir as portas aos co-nacionais e estrangeiros caçados como coelhos. Brasileiros foram massacrados devido à decisão do Itamaraty. A China também fez o mesmo, para fazer birra à URSS. Não é de estranhar onde chegou, hoje.

Não podemos acusar Pinochet e os militares de violência gratuita. Eles reprimiram um dos mais criativos movimentos sociais mundiais. A tortura, morte, exílio, desemprego etc. eram necessários para criar condições para implantar, em forma pioneira, as receitas neoliberais - abertura econômica; flexibilização do trabalho; privatizações da educação, saúde, bens públicos etc. Chile foi o laboratório de experiência que a seguir contaminou o mundo.

Pinochet e o exército foram obrigados a estabelecer uma longa ditadura para efetuarem a modernização que a senhora Margaret Tatcher impôs, com alguma dificuldade, durante seu longo reinado inglês, e os senhores FHC e Lula da Silva implementaram e implementam com velocidade e facilidade elogiadas pelo empresariado mundial e nacional. Sempre há o ônus do pioneirismo!

Toda uma geração de dirigentes e ex-dirigentes mundiais, no recôndito do coração, sofre com a morte do general. Quando da retenção de ex-ditador na Inglaterra, em outubro de 1998, não era necessário bola de cristal para prever que não terminaria a vida na prisão, como vaticinou quem assina esse comentário, escrito há oito anos e requentado para o momento festivo. Pinochet só não morreu em sua cama porque foi levado para o hospital. Jamais se dirá que os poderosos desse mundo são injustos para com os generais golpistas e assemelhados.


O esquecimento de Kemal Zughayer

Por Gustavo Barreto, editor de Consciência.Net

Fonte: Fazendo Media
1º agosto, 2006

As imagens que o Fazendo Media usa nesta série de reportagens sobre os crimes de guerra que ora se cometem no Oriente Médio são fortes, mas poderiam ser piores. Não faltam exemplos de atrocidades israelenses que serão devidamente apagadas e substituídas pela imagem de árabes demonizados e transformados em "monstros", enquanto terroristas de Estado são mostrados como racionais e civilizados e podem até ganhar o Prêmio Nobel da Paz. O alarde de alguns casos trabalhados com afinco pela imprensa empresarial se transforma em silêncio, dependendo de quem for a vítima.

Na primavera de 2002, por exemplo, o então líder israelense Sharon investiu duramente contra um campo de refugiados em Jenin, deixando um rastro de destruição. Os jornalistas britânicos Justin Hugles e Phil Reeves, do jornal The Independent, descobriram à época "os restos esmagados de uma cadeira de rodas" nas ruínas de um acampamento. "Ela estava totalmente esmagada, achatada como se fosse uma caixa. No meio dos escombros, havia uma bandeira branca esfarrapada", escreveram os jornalistas.

Fatos minimizados

A reportagem, de 25 de abril de 2002, relata que um palestino aleijado, Kemal Zughayer, foi morto à bala enquanto tentava subir a estrada em sua cadeira de rodas. "Os tanques israelenses devem ter passado por cima de seu corpo, porque quando [um amigo] o encontrou, faltavam ao corpo uma perna e os dois braços. O rosto, ele contou, estava partido em dois", escreveram Hugles e Reeves.

"Ainda que noticiado nos Estados Unidos, tal fato seria minimizado como um erro involuntário no curso de uma retaliação justificada", opina Noam Chomsky. "Kemal Zughayer não merece ser incluído nos anais do terrorismo [ao lado de vítimas israelenses]. Seu assassinato não foi comandado por um monstro, mas por um homem da paz [como George W. Bush classifica Ariel Sharon], que mantém relações calorosas com o homem de visão que habita a Casa Branca".

Novamente, em 2006, não faltam atrocidades provocadas por armas de destruição em massa dos Estados Unidos e de Israel. Em um dos mais recentes, uma mulher e seis crianças morreram no vilarejo de Nmeiriya, no sul do Líbano, vítimas de um bombardeio aéreo esta semana. De acordo com o Ministério da Saúde do Líbano, mais de 750 pessoas - em sua maioria civis - morreram em ataques de Israel desde o início do conflito, no início de julho de 2006. Do lado israelense, morreram pelo menos 51 pessoas, sendo 18 civis. Segundo as Nações Unidas, ao menos 30% dos mortos no Líbano são crianças.

"O chicote paira sobre suas cabeças"

Em 2002, em Jenin, Nablus, Ramallah e outros lugares, Sharon tomou de assalto estas cidades, nivelando áreas com escavadeiras e tanques, sitiando a população durante semanas sem comida, água ou acesso à assistência médica, destruindo centros culturais, instituições governamentais e tesouros arqueológicos, deixando absolutamente claro - conforme escreveu Boaz Evron, destacado comentarista da imprensa empresarial israelense - que "o chicote paira sobre suas cabeças". Segundo a lógica de Evron, se opor a isso é sinônimo de antisemitismo.

É comum ouvir na imprensa empresarial brasileira e internacional que, em decorrência dessas atrocidades, a "imagem" de Sharon, Bush, Blair e outros líderes identificados com o poder militar foi atingida. A reparação aos acontecimentos é feita a fim de "resgatar a imagem de liderança na região", ao passo que a reparação às famílias das vítimas nem sequer é citada por esta mesma imprensa. Uma visão fácil de ser entendida por executivos da área de marketing, mas incompreensível em uma profissão que tem como imperativo a informação voltada para o interesse público.


O mundo está em guerra
Enviado pela autora, Alegrete-RS

Há certo disfarce de que a questão se restringe apenas
a uma contenda entre Israel e a milícia religiosa do Hezbollah

Por Sandra Silva, socióloga e acadêmica de direito
E-mail: sandrasilva33@yahoo.com.br
30 julho, 2006

O Hezbollah ou Hizb Allah ou Hezb Allah, significa Partido de Deus e representa os xiitas muçulmanos cujas ações militares atuam dentro do Estado libanês, compondo uma espécie de exército paralelo. Um quase outro Estado dentro do Líbano, segundo a exposição do pensamento internacional.

Os conflitos entre árabes, judeus e palestinos são milenares e quase permanentes. Os períodos de paz nunca foram duradouros porque a realidade geográfica, demográfica e cultural dessas etnias carrega na sua bagagem diferenças profundas que a racionalidade e o conhecimento não foram capazes de sanar.

Após o flagelo da segunda guerra, com o despejo americano de duas bombas atômicas sobre o Japão, esperava-se que as comunidades internacionais buscassem paz mais duradoura e resolvessem, nas mesas de negociações, os interesses das nações que se sentiam prejudicadas. Isso jamais aconteceu.

Vemos o Líbano mais uma vez destruído. As imagens que a comunicação visual tem mostrado ao mundo são lamentáveis demonstrando a força das modernas armas de guerra.

Entre os anos de 1975 e 1990 o Líbano registrou cerca de cem mil mortes, produto de conflitos internos e com os vizinhos. Cessada a contenda, reergueu-se extraordinariamente, e já em 1995 decolou numa expansão e reconstrução sem precedentes.

Tudo está por terra novamente. A bela Beirute jaz bombardeada e sua população inocente estraçalhada em mais um banho de sangue. Para esse povo não há glória nem progresso, em contraposição aos que promovem esta e outras guerras. Os organismos internacionais tentam apregoar a validade dos atos do agressor contra um grupo radical de suposta potencialidade criminosa. Argumentam que é o grande combate ao terrorismo.

Mesmo tendo parlamentares constituindo fortemente o Partido de Deus (Hezbollah), a milícia que lhe representa é uma ameaça às fronteiras do vizinho. Esse é o pensamento do adversário.

O mundo oriental tem o entendimento de que se a casa é violada, a esposa e as filhas violentadas, é preciso reagir. Omitir-se é covardia. Assim é como entendem que os seus territórios também devem ser tratados.

Em 1982 o Líbano foi parcialmente aniquilado por Israel. Reconstituiu-se pelo labor e tenacidade de seu povo. Beirute voltou a ser uma cidade que atraía turistas e investidores. Agora, novamente se vê destroçado e o pior, com centenas de civis mortos de forma chocante.

As fotografias que se espalham pela mídia televisiva e impressa do planeta estão a mostrar crianças e mais crianças arrastadas pelo conflito. Elas choram nos leitos dos hospitais a dor dos ferimentos e a dor das perdas. São apenas crianças em um mundo de adultos que defende idéias incompreensíveis a esses pequenos os quais, se chegarem a viver até a idade adulta, irão assumi-las com o mesmo ímpeto de seus antecedentes. É assim que se perpetua o horror.

Bento 16, como líder religioso, acompanhado de outros próceres que representam grandes congregações religiosas, está pedindo piedade e racionalidade para que ao menos os civis sejam poupados. Palavras ao vento. Quem patrocina guerras jamais pensa na dor alheia ou nas mortes em profusão que causa.

As grandes potências sobrevivem da indústria bélica. Se não fosse por ela sua economia não seria tão forte. Por isso se promovem guerras e genocídios, alimentando o ego de ditadores que subjugam inocentes ignorantes.

Após a perseguição dos judeus por Hitler e como resultado do sucesso dos interesses dos vencedores da segunda guerra, criou-se o Estado de Israel dando aos judeus um território. Esqueceram que a área tinha outras etnias que também clamavam por uma pátria. Dentre elas, os palestinos.

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"Flor amorosa"
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Belo Horizonte, 25 dezembro, 2006

Política internacional