Haiti é laboratório para o Exército
Enviado pelo autor, Recife-PE

A vitória sobre a violência nas favelas só será alcançada com o desenvolvimento econômico-social das populações aglomeradas

Por Didymo Borges

9 maio, 2007

É sempre bom ter em mente que um dos objetivos do Brasil na missão de paz no Haiti é se credenciar perante a ONU a uma cadeira permenente no Conselho de Segurança da instituição. Esse é, basicamente, objetivo do governo brasileiro em cooperar com a ONU na ação militar internacional de estabilização do Haiti o que, pela lógica, nunca será obtida num país tão pobre e de condições de organização institucional tão frágeis e atrasadas.

O Haiti é apenas mais um exemplo do desastroso processo de colonização européia nas Américas e, principalmente, na África. Tão logo deixe aquele país as forças militares
internacionais e, novamente, o caos voltará a imperar como ocorre nas muitas nações africanas que passaram pela desventura da colonização européia. No caso do Haiti, uma nação de área muito reduzida e desprovida de riquezas natuarais (o pouco que havia já foi esgotado ou destruído) não há perspectivas de alternativas econômicas capazes de gerar emprego e renda para uma população quase totalmente de afro-descendentes que vive em estado de penúria e miséria totais.

Ocorre que a missão no Haiti é apenas um dos argumentos que poderia embasar o pleito brasileiro por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Em outras palavras, a missão haitiana conta, mas não é suficiente para tal conquista que sobrelevaria em muito o Brasil no concerto das nações. Entretanto, tal credencial não seria conferida pela intervenção do Exército no combate à criminalidade nas favelas do Rio de Janeiro. Para as favelas do Rio parece que haverá apenas um remédio, que é o desenvolvimento econômico-social das populações aglomeradas.

OS: Vide abaixo matéria do jornal O Estado de São Paulo sobre as ações do Exército Brasileiro no Haiti e as possibilidades de aplicação de táticas e experiências nas favelas do Rio de Janeiro.

Haiti é laboratório para plano do Exército para o Rio

Operação na região mais violenta do país
foi planejada para aplicação no Rio

Por Tahiane Stochero

Fonte: O Estado de S.Paulo

PORTO PRÍNCIPE - A seqüência de operações que desmontaram as gangues de Cité Soleil, a região considerada pela ONU como a mais violenta do Haiti, foi elaborada como laboratório das ações estudadas pelo Exército para aplicação contra o crime organizado e o narcotráfico no Rio de Janeiro.

"O plano aplicado aqui está coerente com o que foi planejado para o Rio", afirmou ao estadão.com.br, em Porto Príncipe, o coronel Cláudio Barroso Magno Filho, comandante das tropas brasileiras na Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (Minustah).

"Mesmo que as operações realizadas no Haiti sejam específicas, elas têm conceitos estratégicos semelhantes aos visualizados para o Rio de Janeiro, particularmente a integração das ações e dos órgãos envolvidos, em todos os níveis. Isso é o que se
buscou aqui na capital haitiana e por isso deu certo. Tudo o que fizemos aqui foi planejado para lá".

O Exército confirma a relação entre as duas frentes. "Do ponto de vista operativo, o Haiti tem sido uma escola sim", diz o Exército, salientando que "a experiência operativa" vivenciada lá "indica que a presença ostensiva e permanente das forças de
segurança deve ser acompanhada de ações em benefício da população, como as desenvolvidas pela tropa brasileira em Porto Príncipe".

Em outras palavras, a ação militar deve ser seguida de uma ofensiva para conquistar "corações e mentes". As acusações de abusos feitas contra os militares a serviço da ONU nessa e em outras operações mostram que, em certos casos, há ruídos entre a retórica diplomático-militar e a realidade.

Um estudo da revista médica britânica Lancet publicado no final do ano passado revela que o cotidiano dos haitianos é mais violento do que a ONU admite - teriam ocorrido 8 mil homicídios desde a queda do presidente Jean-Bertrand Aristide, em fevereiro de 2004; para as Nações Unidas, foram 2 mil. Além disso, um terço dos entrevistados pela
Lancet acusou os soldados brasileiros de fazer ameaças de morte, e um quinto disse que eles fizeram ameaças de abuso sexual. As acusações são todas negadas pelos militares brasileiros e pela Minustah.

Pacificação de Porto Príncipe

A ação em Cité Soleil, bairro de 300 mil habitantes, foi consolidada na Operação Jauru Sudamericano, realizada em 9 de fevereiro em conjunto com outros países e a Polícia Nacional do Haiti, mas sob comando brasileiro. Segundo militares ouvidos pelo
estadão.com.br, apesar das diferenças de cenário entre ambas as situações, o plano seria bem-sucedido também no Rio.

Carioca, Barroso Magno trabalhou no planejamento de operações do Exército no Comando Militar do Leste, no Rio. Ele percebe semelhanças entre as situações
nas favelas fluminenses e em Porto Príncipe.

Em ambos os locais, o crime organizado dificulta a atuação do governo, e um arcabouço jurídico torna-se necessário para que a paz seja imposta pelas armas.
No Brasil, contudo, para que o Exército possa ir às ruas, a Constituição manda que o governo estadual declare sua incapacidade no combate ao crime e que seja repassado aos militares, através de uma lei complementar, o poder de polícia.

Em 2004, no momento em que o Haiti enfrentava uma grave crise institucional, a ONU criou a Minustah. Com um mandato e regras de engajamento específicas, a missão atua contra o crime organizado e pela imposição da paz ("peace enforcement"),
resguardando-se o Estado de Direito - ao menos na teoria. No Rio, deveria ocorrer coisa semelhante, apontam alguns militares. Poderia ser usada a recém-criada Força Nacional de Segurança Pública. A decisão, em última instância, é política.

"Com vontade política e integração não tem bandido que vença a sociedade", afirmou Barroso Magno. "O que seria necessário no Rio é a integração das Forças Armadas com os órgãos de segurança pública na condução de operações militares e policiais, e com a participação e comprometimento dos diferentes setores da sociedade, governamentais ou não. Dessa forma, não há organização criminosa que sobreviva.
Só o trabalho conjunto daria certo", aponta Barroso Magno.

Exército na rua: revolta?

Militares ouvidos pelo estadão.com.br dizem que as Forças Armadas poderiam ter êxito em sua ação contra o crime no Rio usando o modelo do Haiti. Contudo alguns afirmam que não se sentem à vontade para atuar contra brasileiros e temem a revolta da
população diante de ações especiais. Eles questionam se a população está realmente preparada para uma ação desse tipo.

"Que estamos preparados e que conseguiríamos ter sucesso, sem dúvida. O problema é que as coisas são diferentes lá [no Rio] e aqui [no Haiti]. Lá tem uma polícia e um governo instituídos. Aqui é um estado de exceção, onde a ONU interveio para conter o caos. São casos diferentes", aponta o comandante da Minustah, o general brasileiro Carlos dos Santos Cruz.

Um oficial que esteve no Haiti e que, de volta ao Brasil, atuou contra o Comando Vermelho no Morro da Mangueira, se disse contra o emprego das Forças Armadas isoladamente nos morros. "A gente subia o morro e a polícia ficava em casa, vendo TV", afirmou o militar, que não quis se identificar. "Se a ação do Exército for isolada, eu sou contra. Não é nossa atribuição fazer isso, é deles [da polícia]. Se for
algo integrado, tudo bem. Que trabalhem juntos".

Outro militar, que também preferiu o anonimato, concorda com a necessidade de integração e lembra a atuação das Forças Armadas na Operação Guanabara, no
carnaval de 2003. "A gente ia para a rua dar segurança, e a polícia ficava liberada para ir ao sambódromo fazer escolta de bicheiro.

A integração entre polícia e Forças Armadas é delicada, mas sem integração não se faz nada. Veja só o que aconteceu no Haiti. A pacificação foi resultado de integração com outros órgãos, países e a Polícia Nacional, seguido de todo um aporte e ações socioeconômicas".

Semelhanças e diferenças

Na elaboração de uma operação militar, são levados em consideração cinco fatores: terreno, inimigo, tempo, meios e a missão.

Ao contrário do Rio de Janeiro, onde o crime está basicamente em terrenos de difícil acesso, em Porto Príncipe o terreno é plano. No Haiti o tráfico de drogas não é um dos eixos do crime, como nas favelas fluminenses. Os criminosos sobrevivem de seqüestros
e de extorsão. Investiga-se a ligação com partidos políticos, mas, inicialmente, as gangues visam enriquecimento, poder e ascensão social. Outro diferencial seriam os meios empregados. Conforme autorização da ONU, as tropas podem usar a mesma
arma com a qual foram atacadas. No Brasil, há limitações legais para isso.

Brasil tem maior contingente em força de paz no Caribe

Atuando há três anos no Haiti, o Brasil possui o maior número de militares na Minustah, cerca de 1.200. Composto por pessoas de 40 países, a missão foi criada pela ONU em maio de 2004, após uma onda de protestos e violência em todo o país provocar a
queda do presidente Jean-Bertrand Aristide.

Desde o início, o Brasil tem liderado operações contra o crime organizado no país caribenho, pacificando os bairros mais violentos da capital, como Bel Air, Cité Militaire e Cité Soleil. Todos os chefes militares da missão foram brasileiros. Essa é a quinta missão da ONU desde 1993 no Haiti, o país mais pobre das Américas.

A repórter viajou a convite do Ministério da Defesa e do Exército brasileiro

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Música de fundo em arquivo MID (experimental):
"Fantasie impromptu", de
Chopin
Nota para a seqüência MIDI: *****

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Belo Horizonte, 18 junho, 2007

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