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Uma nova ordem política
Da editoria do Jornal dos Amigos
Verdade seja dita. Desde que Lula da Silva
assumiu a presidência da República, nunca na história
deste o país foram descobertos tantos escândalos nas casas
do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Esse fato, a nosso
ver, é o grande mérito do governo Lula.
Não é possível que alguém de mediano bom senso
fique indiferente ao mar de lama em que se converteu a vida pública
brasileira, com escândalos seguidos de escândalos. E agora
mesmo a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados se reúne para
discutir a unificação das verbas parlamentares, que propõe
uma cota de R$ 25 mil a R$ 30 mil para deputados. O valor é a soma
de salário, verba indenizatória e demais benefícios
a que os senhores deputados têm direito. Têm direito por quê?
Perguntaram ao povo se ele concorda com isso? Os senhores deputados estão
agindo como se um empregado em uma empresa particular tivesse o privilégio
de decidir o valor de seus próprios salários, de escolher
tarefas que devem fazer e não dar satisfação ao empregador
sobre a frequência que vai ao escritório.
Os cinismos arbitrários dos homens
de altos escalões se apresentam à nação envolvidos
nos mais escabrosos casos de corrupção, nepotismo, descaso
para com a coisa pública e, principalmente, vivendo uma espécie
de delírio que os coloca em um mundo a parte da maioria dos brasileiros.
Vivem como se fossem em outro país. Não é por acaso
que muitos se referem a Brasília como sendo a ilha da fantasia,
onde vive uma casta de políticos distantes e alheios às
realidades que os cercam.
Nosso regime político a muito perdeu a legitimidade diante da nação.
Há o que se estabelecer uma nova ordem representativa, levando
em consideração uma remuneração justa (que
não os tornem milionários) para todos os níveis de
representação pública em cargo eletivo. As discussões
estão na ordem do dia. Seria de bom alvitre que se fizesse consulta
ao povo nas seguintes bases:
1. Coincidência de mandatos - Você
é favor da eleição coincidir para o cargo de todos
os mandatos: prefeitos, vereadores, deputado estadual, governadores, deputado
federal, senador e Presidente da República?
2. Reeleição - Você é a favor da reeleição
de prefeitos, governadores e Presidente? Em última análise,
cargos do legislativo também?
3 - Forma de votação - Você
prefere o voto distrital, o distrital misto, o voto proporcional no candidato
ou o voto em lista fechada do partido?
4 - Tempo de mandato - Você prefere 4, 5 ou 6 amos?
5 - Separação dos poderes - Você concorda que senador, deputado ou vereador deixe o cargo para um suplente e assuma um cargo no Poder Executivo?
6 - Legitimidade de poder - Você concorda que, no caso de representação de cargo no legislativo, assuma seu suplente que não foi eleito pelo voto?
5 - Cláusula de Barreira - Você é a favor de só ter presença no Legislativo o partido que alcançar um mínimo de votos?
6 - Remuneração dos eleitos - Você concorda com a atual forma de remuneração? Que os vereadores de cidades que não têm renda própria suficiente para pagá-los recebam salários mensais com recursos recolhidos em outros municípios?
7 - Financiamento público de campanha - Você concorda que a campanha política deve ser financida pelo governo, acabando com o financiamento pelos grandes grupos financeiros e econômicos?
O modelo político vigente não encontra mais respaldo na sociedade. Está viciado, caduco, esclerosado, perdeu-se valores, vergonha, tudo. A questão maior em relação a reformas é que os que se encontram hoje no poder querem continuar ad eternum nas benesses do poder. A eles não interessa fazer uma verdadeira reforma agrária, urbana, tributária, partidária, política e econômica deste país, pois contrariam seus interesses pessoais e seriam os primeiros a serem atingidos.
Mas preste a atenção. A sociedade civil organizada pode mudar esse estado, evitando inclusive que membros da triste era Collor cheguem de volta ao poder máximo. O que precisamos é que cada vez mais haja cidadãos conscientes e politizados.
Todos nós desejamos respeito. Respeito
pelo destino dos impostos que pagamos, respeito na prestação
de contas ao eleitor pelos senhores representantes do povo. O importante
então é melhorarmos a representação nos cargos
eletivos. Chega de decisões contrárias ao interesse público,
em benefício próprio ou de seus financiadores.
Parece-nos que está claro que eliminação do instituto
da reeleição e remuneração coerente, sem excessos,
elimina o político profissional, que deverá ter uma profissão
para ganhar a vida. O fim da reeleição contraria a quebra
das regras que mantém o político pelo maior tempo possível
no poder. É preciso renovação contínua.
Enviado por Wagner Melo, Rio de Janeiro-Capital
24 abril, 2009
Lições esquecidas
Por Miriam Leitão
Fonte: Jornal O Globo, Panorama Econômico
1ºabril, 2009
Há 45 anos, os militares tomaram o poder e golpearam as instituições democráticas. Hoje, o Senado ofende o país, a Câmara dos Deputados acumula escândalos, o Supremo toma uma decisão que, se cumprida, liberará criminosos da prisão, o Executivo usa a estrutura do governo para campanha política. O que o Brasil está fazendo com a democracia dolorosamente conquistada?
Não aprendemos as lições dolorosas do passado? Se a ideia é provar aos 83 milhões de brasileiros que nasceram após o último general deixar a Presidência, que a democracia é cara, ineficiente e fonte de corrupção, as nossas autoridades estão no caminho certo.
Em declarações e atos nos últimos dias, os senadores levaram ao limite a paciência dos contribuintes: "todos aqui sabem como a Casa funciona", lembrou a senadora Roseana Sarney, numa reunião de líderes. Mas o país não sabia tudo isso. O Senado não existe para ser essa coleção de privilégios, irregularidades e vergonhas aceitas como normais. Era para ser uma instituição madura, revisora das decisões da Câmara dos Deputados, representante, em equilíbrio paritário, dos estados da Federação.
O país já sabia que o Senado não funcionava exatamente como nos livros escolares. O país poderia até intuir nomeações de parentes, funcionários fantasmas, gastos excessivos, mas não tudo isso que está vendo nos últimos dias. Um clube com uma coleção de absurdos tão excessivos que pode levar os jovens brasileiros - os que não viram o peso do Congresso Nacional fechado - a se perguntarem: para que a instituição existe?
Se a pergunta for feita, o risco é
de que as respostas sejam que o Senado existe para que a casta dos senadores
possa usar, como quiser, o dinheiro público, para que o ex-diretor-geral
Agaciel Maia tenha bens acima de suas posses e nem os declare, e que,
em troca, permita a farra das contratações que levou a Casa
a ter o exorbitante número de 10 mil funcionários, com direito
a hora extra no descanso. E que existe também para que os senadores
nomeiem para a presidência da poderosa Comissão Mista do
Orçamento o "Almeidinha", aquele cuja qualificação
foi ter sido o fiel escudeiro do senador Renan Calheiros, que usava uma
empreiteira para pagar a amante.
Na Câmara dos Deputados, a cumplicidade dos pares em torno de irregularidades
e desvios que já chocaram o país em várias ocasiões.
Dos anões do Orçamento para cá foram tantos, que
o país até já perdeu a conta.
O Executivo está em plena campanha política. No dia 18 de fevereiro, só para citar um evento, o Palácio do Planalto foi sede de uma reunião do Conselho Político sobre as chances da candidata declarada do presidente Lula à sucessão, quando se tomou a decisão que ela continuaria a "inaugurar" obras. Nem se dão ao trabalho de fazer a reunião fora do expediente, em outro local. Será assim nos próximos dois anos: o governo será usado para a campanha presidencial, com as explicações de sempre de que a gerente precisa acompanhar as obras. É o álibi pré-moldado. Álibi que será usado pelos outros candidatos que exerçam cargo público. Depois, bastará a Justiça Eleitoral punir um ou outro governador para dar a impressão de que está vigilante. A Justiça Eleitoral tem que prevenir, estabelecendo os princípios agora, para todos os governos, para todos os candidatos.
O Supremo Tribunal Federal entendeu que enquanto o réu puder recorrer, ele o fará em liberdade. A regra já valia para alguns privilegiados. O assassino confesso Antônio Pimenta Neves, condenado em dois julgamentos, permanece solto. Todas as evidências e até as confissões não valem, porque, na dúvida, a decisão é "a favor do réu".
Bernard Madoff cometeu apenas um erro:
não nasceu no Brasil. O ex-presidente da Nasdaq é autor
da maior fraude financeira de que se tem notícia. Ficou em prisão
domiciliar, confessou o crime e foi levado para a prisão, aonde
vai esperar o julgamento. E, quando for condenado, ele poderá recorrer.
Porém, o fará da prisão.
Se Madoff estivesse no Brasil, ele poderia pedir habeas corpus com
grande chance de ser beneficiado por uma daquelas decisões idiossincráticas
de que ele não ofereceria risco de fuga, ou o FBI teria se excedido
na investigação, ou qualquer um dos argumentos que aparecem
em algumas liminares, apenas para os notáveis.
O princípio do in dubio pro reo é do Direito universal, mas sua interpretação, aqui, criou uma esquisitice: antes do julgamento, dependendo do suspeito, ele pode ficar preso em diversas circunstâncias; depois do julgamento é que a dúvida se estabelece e, aí, o réu poderá recorrer em liberdade, até se esgotar o último recurso.
Quarenta e cinco anos depois de iniciado
o segundo período ditatorial da República, o que se passa
na cabeça dos donos dos poderes republicanos? Há uma desconfortável
sensação de que eles não veem o perigo extremo que
o país corre. Não de outro golpe militar, a história
não se repetirá assim. O risco maior é de os jovens
-os donos do futuro- acharem que a democracia não vale o que custa.
Afinal, 44% dos brasileiros nasceram depois do fim da ditadura militar.
Mais de 100 milhões de brasileiros nasceram depois do fim do AI-5.
Já são a maioria. Eles nada viram; podem não notar
as virtudes que nós, os mais velhos, valorizamos na democracia.
Música
de fundo em arquivo MID (experimental):
A canoa virou
Nota para a seqüência MIDI: *****
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