O verdadeiro retrato
O retrato ao lado foi composto com rostos de soldados mortos na guerra do Iraque. |
Programa nuclear do Brasil assusta o planeta
Enviado por Jorge Luiz Rezende
Mendes, Rio de Janeiro-Capital
País pode desenvolver tecnologia e vendê-la para o "eixo do mal"
Por Larry Rohter,
no Rio de Janeiro
Tradução: George El Khouri Andolfato
Fonte: The
New York Times
Primeiro novembro, 2004
Por todo o mundo, o Brasil há muito
tempo mantém a imagem de terra do futebol e do samba, habitado
por um povo amistoso e sereno. Então por que está envolvido
em uma disputa com a Agência Internacional de Energia Atômica,
sendo acusado por especialistas nucleares americanos e de outros países
de ser um infrator nuclear cujas ações ajudam Estados inamistosos
como a Coréia do Norte e o Irã?
Desde que começou a observar o Tratado de Não-Proliferação
Nuclear em 1997, o Brasil tem resistido em permitir pleno acesso a inspetores
internacionais a uma fábrica secreta de enriquecimento de urânio,
a 160 quilômetros do Rio de Janeiro.
Neste mês, a revista "Science" aumentou a controvérsia
com um artigo dizendo que a instalação dará ao Brasil
capacidade para produzir material físsil suficiente para seis ogivas
nucleares por ano, uma alegação que o governo brasileiro
considerou fantasiosa.
Apesar da ditadura militar que governou o Brasil até 1985 ter tido
um programa clandestino de armas nucleares, ninguém está
dizendo que o Brasil está tentando construir uma bomba nuclear
agora. Em vez disso, a preocupação é de que possa
exportar urânio enriquecido, ou a tecnologia, e que tais exportações
possam acabar nas mãos de Estados inamistosos ou terroristas.
Especialistas internacionais se preocupam com os controles de exportação
do Brasil e sua história. Nos anos 80, o país enviou secretamente
urânio para o Iraque e assistência técnica.
Para forasteiros, a resistência do Brasil às inspeções
não faz sentido. O mundo está repleto de urânio processado,
o programa nuclear daqui consumiu mais de US$ 1 bilhão que poderia
ter diminuído a enorme pobreza no país, e o sigilo do Brasil
apenas aumentou as suspeitas sobre sua confiabilidade e intenções,
prosseguem os argumentos.
"Eu não vejo como isto possa ser uma de suas maiores preocupações",
disse James Goodby, que foi o negociador chefe do governo Clinton para
questões de proliferação nuclear. "Eles nem
ao menos se preocupam com o que o restante da América Latina, especialmente
os argentinos, pensam disto?"
Mas entre os brasileiros, a assertividade do governo, como o próprio
programa nuclear, tem provado ser bastante popular. Apesar de um embaixador
americano aqui já ter descrito o Brasil como "um país
que luta abaixo de seu peso", a questão nuclear parece ter
despertado uma belicosidade latente, assim como inseguranças.
Escrevendo nos anos 50, o dramaturgo Nelson Rodrigues via seus conterrâneos
como sofredores de um senso de inferioridade, e cunhou uma frase que os
brasileiros agora usam para descrevê-lo: "complexo de vira-latas".
O Brasil sempre aspirou ser levado a sério como potência
mundial pelos pesos pesados, e assim incomoda os brasileiros o fato dos
líderes mundiais confundirem seu país com a Bolívia,
como já fez Ronald Reagan, ou desprezar uma nação
tão grande -o país tem 180 milhões de habitantes-
como não sendo um país sério, como fez Charles de
Gaulle.
Coincidência ou não, o governo de Luiz Inácio Lula
da Silva lançou uma campanha publicitária para formar uma
auto-estima nacional enquanto se mantém firme na questão
nuclear. Ele também aumentou a campanha brasileira para um assento
permanente no Conselho de Segurança da ONU, levando o jornal "O
Estado de São Paulo" a noticiar que o Brasil quer usar sua
perícia nuclear para aumentar seu perfil em questões mundiais.
"O que estamos vendo são as mesmas idéias de nacionalismo
exagerado que vimos tantas vezes antes por aqui, a crença de que
vamos ser uma grande potência e tudo mais", disse José
Goldemberg, um físico que, como ministro da Ciência e Tecnologia
no início dos anos 90, forçou o fim do programa secreto
de armas nucleares do Brasil. Tal convicção profunda, ele
acrescentou, "leva a respostas desproporcionais" e o que ele
chamou de "atitude chauvinista de que ninguém pode entrar
aqui".
A resistência às inspeções também pode
estar ligada à crença aqui de que uma
conspiração internacional para impedir o Brasil de se tornar
uma grande potência seja a única coisa que esteja contendo
o país. Toda uma literatura sobre o assunto levou alguns brasileiros
a argumentarem que a Agência Internacional de Energia Atômica,
apesar de seu retrospecto de imparcialidade em todas os lugares, pretende
roubar do Brasil uma valiosa tecnologia secreta.
"Por que os brasileiros estão escondendo tanto os invólucros
e os rotores de suas centrífugas?" se pergunta Henry D. Sokolski,
um ex-membro do Departamento de Defesa que agora é diretor executivo
do Centro de Educação de Política de Não-Proliferação,
com sede em Washington. "O motivo declarado deles, a idéia
de que a AIEA não é confiável, é incrivelmente
insultante e totalmente maluca."
Apesar de todas as preocupações do Brasil em ser considerado
como peso leve,
ele tem apresentado muitos feitos científicos e tecnológicos
notáveis. A Embraer é a terceira maior fabricante de aeronaves
do mundo, um consórcio de universidades em São Paulo se
tornou um dos principais centros do mundo na pesquisa do genoma, e pesquisadores
agrícolas desenvolveram novas variedades significativas de produtos
agrícolas.
Mas em uma terra tão ávida por respeito, isto não
é o bastante. A fábrica de enriquecimento de urânio
em Resende tem sido vendida para o público como um
triunfo de "tecnologia que é 100% brasileira", segundo
as palavras do ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos.
Especialistas estrangeiros dizem que tal alegação não
é verdadeira. No passado, o Brasil fez declarações
semelhantes sobre seu programa espacial, tentando esconder o papel de
tecnologia francesa e russa obtida por meio de programas de intercâmbio
ou no mercado negro internacional.
"Há assistência estrangeira, e eles cuidadosamente enganaram
a população ou distorceram os fatos para se adequarem à
definição deles de meios locais", disse David Albright,
um físico e ex-inspetor nuclear que é presidente do Instituto
para Ciência e Segurança Internacional. "Nós
sabemos que os alemães os ajudaram a produzir um dos primeiros
modelos de centrífuga, e nós achamos que os alemães
forneceram a tecnologia sobre como trabalhar com centrífugas de
fibra de carbono."
Dúvidas também têm sido levantadas sobre quão
inovador é o processo de centrifugação do Brasil.
Ele se concentra em um tipo de bobina magnética que
supostamente torna as centrífugas brasileiras mais eficientes e
duráveis do que as de outros países. O governo tem insistido
em impedir que os inspetores tenham acesso a isto.
Mas "tais alegações de necessidade de proteção
de segredos industriais são exageradas, já que tal tecnologia
é usada rotineiramente em nossos aparelhos
em outras partes do mundo", disse o dr. Goldemberg. "Há
orgulho nacional
envolvido aqui, mas eu não sei se vale a pena levantar suspeita
no resto do
mundo por isso".
A situação tem sido complicada pelo aparente desejo do Brasil
de lidar com o mundo externo segundo os princípios que rotineiramente
regem os relacionamentos aqui. Nos termos mais simples, o Brasil argumenta
que merece uma isenção de inspeção plena porque
os brasileiros são um povo amistoso, diferente dos maldosos norte-coreanos
e iranianos.
A sociedade brasileira funciona na base do que é conhecido como
"jeitinho", a idéia de que todas as leis e regras formais
podem ser contornadas se alguém for encantador ou esperto o bastante.
É claro, quanto mais poderoso você é, mais chances
você tem de contornar os procedimentos desajeitados "driblando",
como os jogadores brasileiros fazem com a bola e seus adversários.
Após os inspetores terem finalmente obtido acesso parcial à
instalação de Resende neste mês, surgiram previsões
de que o impasse seria logo contornado com algum jeitinho. É muito
provável que seja. Mas mesmo assim, os especialistas estrangeiros
esperam outro confronto em torno de inspeções nos próximos
anos, um envolvendo a campanha de várias décadas da Marinha
de construção de um submarino nuclear.
"Submarinos não estão sujeitos ao regime de salva-guardas,
é como vejo as coisas", disse Roberto Abdenur, que se tornou
o embaixador do Brasil nos Estados Unidos neste ano, após ser o
representante do país na Agência Internacional de Energia
Atômica. "O Brasil sempre respeitará suas obrigações,
mas, como qualquer outro Estado membro, nós também insistiremos
em nosso direito de proteger nossos segredos tecnológicos".
Música
de fundo em arquivo MID (experimental):
"Super-homem", de Gilberto Gil
Nota para a seqüência MIDI: ****
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