Enviado
por Antonio B. Siqueira, Belo Horizonte-MG
16 abril, 2011
Duplipensar
Por Demétrio
Magnoli
Fonte: O Estado
de S. Paulo
16 fevereiro, 2012
A blogueira Yoani
Sánchez, os aeroportos privatizados, os policiais amotinados
- por três vezes, sucessivamente, o PT exercitou a arte
da duplicidade, desfazendo com uma mão o que a outra
acabara de fazer. Há mais que oportunismo na dissociação
rotinizada entre o princípio da realidade e o imperativo
da ideologia. A lacuna abissal entre um e outro sugere que,
aos 32 anos, o maior partido do País alcançou
um estado de equilíbrio sustentado sobre o rochedo da
mentira.
Peça número
1: O governo brasileiro concedeu visto de entrada a Yoani Sánchez,
enviando um nítido sinal diplomático, mas Dilma
Rousseff se negou a pronunciar em Havana umas poucas palavras
cruciais sobre o direito de ir e vir, enquanto seus auxiliares
reverenciavam o direito da ditadura castrista de
controlar os movimentos dos cidadãos cubanos. A voz do
PT emanou de fontes complementares, que pautaram as declarações
presidenciais na ilha. Circundando a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, diversos tratados internacionais
e a Constituição brasileira, o assessor de política
externa Marco Aurélio Garcia qualificou como um problema
de Yoani a obtenção da autorização
de viagem. Ecoando o pretexto oficial castrista, a ministra
Maria do Rosário (dos Direitos Humanos!) declarou que
Cuba não viola os direitos humanos, mas é vítima
de uma violação histórica, representada
pelo embargo norte-americano.
O alinhamento
automático do PT à ditadura cubana revela extraordinária
incapacidade de atualização doutrinária.
A social-democracia europeia definiu sua relação
com o princípio da liberdade política por meio
de duas experiências históricas decisivas: a ruptura
com os bolcheviques russos em 1917 e o confronto com a URSS
de Stalin na hora do Pacto Germano-Soviético de 1939.
O PT, contudo, não é um partido social-democrata.
A sua inspiração tem raízes em outra experiência
histórica, instilada no seu interior pelas correntes
castristas que formam um dos três componentes originais
do partido. Tal experiência é o anti-imperialismo
da esquerda latino-americana, uma narrativa avessa ao princípio
da liberdade política.
Peça número
2: Contrariando o renitente alarido petista de condenação
da privataria tucana, o governo leiloou três
aeroportos para a iniciativa privada, mas, ato contínuo,
o PT regurgitou as sentenças ortodoxas que compõem
um estribilho estatista reproduzido à exaustão.
Uma nota partidária anunciou a continuidade da disputa
ideológica sobre as privatizações,
enquanto o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) se enredava na
gramática da hipocrisia para formular distinções
arcanas entre concessões e privatizações.
A explicação
corrente sobre essa dissonância radical entre palavras
e atos aponta as motivações eleitorais de um partido
que descobriu as vantagens utilitárias de demonizar adversários
indisponíveis para defender a própria herança.
Há, contudo, algo além disso, como insinua uma
declaração do presidente petista Rui Falcão,
que classificou os adversários do PSDB como
privatistas por convicção. O diagnóstico
não faz justiça ao governo FHC, mas oferece pistas
valiosas sobre a natureza de seu próprio partido.
O PT confusamente
socialista das origens pouco se importava com o destino das
empresas estatais, engrenagens do capitalismo nacional tardio
erguido por Getúlio Vargas e aperfeiçoado por
Ernesto Geisel. O partido só aderiu à ideia substituta
do capitalismo de Estado após a queda do Muro de Berlim.
No governo, aprendeu toda a lição: a rede de estatais
configura um sistema de vasos comunicantes entre a elite política
e a elite econômica, servindo ao interesse maior de perpetuação
no poder e a uma miríade de interesses políticos
e pecuniários menores. Os aeroportos foram privatizados
para conjurar o espectro do fracasso da operação
Copa do Mundo. Ao largo do território das convicções,
sempre podem ser deflagradas novas privatizações:
afinal, o partido antiprivatista tem como ícone José
Dirceu, uma figura que prospera exercendo a função
de intermediário entre o poder público e grandes
grupos empresariais privados.
Peça número
3: O governo reprimiu o movimento dos PMs da Bahia e o PT condenou
os atos criminosos de suas lideranças, mas não
caracterizou a greve de militares como motim, deixando entreaberta
a vereda para voltar a surfar na onda de episódios similares
em Estados governados pela oposição. Os precedentes
são conhecidos. Em 1992, quando o pefelista ACM governava
a Bahia, o atual governador petista, Jacques Wagner, solidarizou-se
com os PMs grevistas. Nove anos depois, quando a Bahia era governada
pelo também pefelista César Borges, foi a vez
do deputado Nelson Pelegrino, hoje candidato do PT à
prefeitura de Salvador, proclamar seu apoio à greve dos
PMs baianos. Durante a greve parcial de PMs paulistas, em 2008,
no governo inimigo de José Serra, o PT formou
uma comissão parlamentar de defesa do movimento.
A clamorosa duplicidade
tem sua raiz profunda no papel desempenhado pelos sindicalistas
do PT. A partidarização petista do movimento sindical
moldou um corporativismo sui generis, que substitui os interesses
da base sindical pelos do partido. No sindicalismo tradicional,
tudo se deve subordinar às reivindicações
de uma categoria. No sindicalismo petista, as reivindicações
da base sindical devem funcionar como alavancas do projeto de
poder do PT. Hoje, os PMs da Bahia são classificados
como criminosos; amanhã, nas circunstâncias certas,
PMs amotinados serão declarados trabalhadores comuns
em busca de direitos legítimos.
O pensamento
duplo não é um acidente no percurso do PT, mas,
desde que o partido alcançou os palácios, sua
alma política é genuína. A tensão
entre princípios opostos é real, mas não
explosiva. Num país em que a oposição renunciou
ao dever de discutir ideias, o partido governista tem assegurado
o privilégio de rotinizar a mentira.
Enviado
por Vitor Buaiz, Vitória-ES
19 fevereiro, 2012
Para onde
irão os indignados e os "occupiers"?
Por Leonardo
Boff, teólogo e filósofo
Uma das mesas
de debates importante no Forum Social Temático em Porto
Alegre, da qual me coube participar, foi escutar os testemunhos
vivos dos Indignados da Espanha, de Londres, do Egito e dos
USA. O que me deixou muito impressionado foi a seriedade dos
discursos, longe do viés anárquico dos anos 60
do século passado com suas muitas "parolle".
O tema central era "democracia já". Revindicava-se
uma outra democracia, bem diferente desta a que estamos acostumados,
que é mais farsa do que realidade. Querem uma democracia
que se constrói a partir da rua e das praças,
o lugar do poder originário. Uma democracia que vem de
baixo, articulada organicamente com o povo, transparente em
seus procedimentos e não mais corroída pela corrupção.
Esta democracia, de saida, se caracteriza por vincular justiça
social com justiça ecológica.
Curiosamente,
os indignados, os "occupiers" e os da Primavera Árabe
não se remeteram ao clássico discurso das esquerdas,
nem sequer aos sonhos das várias edições
do Forum Social Mundial. Encontramo-nos num outro tempo e surgiu
uma nova sensibilidade. Postula-se outro modo de ser cidadão,
incluindo poderosamente as mulheres antes feitas invisíveis,
cidadãos com direitos, com participação,
com relações horizontais e transversais facilitadas
pelas redes sociais, pelo celular, pelo twitter e pelos facebooks.
Temos a ver com uma verdadeira revolução. Antes
as relações se organizavam de forma vertical,
de cima para baixo. Agora é de forma horizontal, para
os lados, na imediatez da comunicação à
velocidade da luz. Este modo representa o tempo novo que estamos
vivendo, da informação, da descoberta do valor
da subjetividade, não aquela da modernidade, encapsulada
em si mesma, mas da subjetividade relacional, da emergência
de uma consciência de espécie que se descobre dentro
da mesma e única Casa Comum, Casa, em chamas ou ruindo
pela excessiva pilhagem praticada pelo nosso sistema de produção
e consumo.
Essa sensibilidade
não tolera mais os métodos do sistema de superar
a crise econômica e derivadas, sanando os bancos com o
dinheiro dos cidadãos, impondo severa austeridade fiscal,
a desmontagem da seguridade social, o achatamento dos salários,
o corte dos investimentos no pressuposto ilusório de
que desta forma se reconquista a confiança dos mercados
e se reanima a economia. Tal concepção é
feita dogma e ai se ouve o estúpido bordão:"TINA:
there is no alternative", não há alternativa.
Os sacrílegos sumos sacerdotes da trindade nada santa
do FMI, da União Européia e do Banco Central Europeu
deram um golpe financeiro na Grécia e na Itália
e puseram lá seus acólitos como gestores da crise,
sem passar pelo rito democrático. Tudo é visto
e decidido pela ótica exclusiva do econômico, rebaixando
o social e o sofrimento coletivo desnecessário, o desespero
das famílias e a indignação dos jovens
por não conseguirem trabalho. Tudo pode desembocar numa
crise com consequências dramáticas.
Paul Krugmann,
prêmio Nobel de economia, passou uns dias na Islândia
para estudar a forma como esse pequeno pais ártico saiu
de sua crise avassaladora. Seguiram o caminho correto que outros
deveriam também ter seguido: deixaram os bancos quebrar,
puseram na cadeia os banqueiros e especuladores que praticaram
falcatruas, reescreveram a constituição, garantiram
a seguridade social para evitar uma derrocada generalizada e
conseguiram criar empregos. Consequência: o pais saiu
do atoleiro e é um dos que mais cresce nos paises nórticos.
O caminho islandês foi silenciado pela midia mundial de
temor de que servisse de exemplo para os demais países.
E a assim a carruagem, com medidas equivocadas mas coerentes
com o sistema, corre célere rumo a um precipício.
Contra esse curso
previsível se opõem os indignados. Querem um outro
mundo mais amigo da vida e respeitoso da natureza. Talvez a
Islândia servirá de inspiração. Para
onde irão? Quem sabe? Seguramente não na direção
dos modelos do passado, já exauridos. Irão na
direção daquilo que falava Paulo Freire "do
inédito viável" que nascerá desse
novo imaginário. Ele se expressa, sem violência,
dentro de um espírito democrático-participativo,
com muito diálogo e trocas enriquecedoras. De todas as
formas o mundo nunca será como antes, muito menos como
os capitalistas gostariam que ficasse.
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edição anterior
Música
de fundo em arquivo MIDI (experimental):
"Delibes pizzicato"
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