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O Brasil por Marcola
Enviada por Joseane Bandeira, Belo Horizonte-MG
Pra quem acredita que os "chefes do tráfico" são todos ignorantes, leiam isso... Estamos todos no inferno. Não há solução, pois não conhecemos nem o problema
Quem é Marcola
Fonte: ISTO É
Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, é o chefão do autoproclamado Primeiro Comando da Capital (PCC). Assumiu o poder, sem alarde, quando perdeu a mulher que levou dois tiros na nuca. O PCC de Marcola estende seus domínios do interior dos presídios até as ruas graças a uma poderosa rede de centrais telefônicas operadas por mulheres de criminosos.
Está condenado a 44 anos de prisão,
principalmente por assalto a banco. Completou a 8ª série na cadeia
e diz que já leu 3 mil livros. É acusado de planejar crimes
com frieza e cálculo matemático. Marcola ordena crimes hediondos
sem imprimir suas digitais. Para assumir a culpa há um exército
de presos subjugados pela violência e pelo terror, dentro e fora das
cadeias. Quem se submete tem direito a recompensas: cestas básicas,
ajuda para advogados e até transporte para visitas. Os demais recebem
tratamento implacável: se não comparecerem com o dízimo,
porcentual sobre os lucros obtidos no crime, a recompensa é a morte.
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reportagem completa
Entrevista de Marcola do PCC
Fonte: Jornal "O Globo"
23 maio, 2006
- Você
é do PCC?
- Mais que isso, eu sou um sinal de novos
tempos. Eu era pobre e invisível...vocês nunca me olharam durante
décadas... E antigamente era mole resolver o problema da miséria...
O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível
de renda, poucas favelas, ralas periferias... A solução é
que nunca vinha... Que fizeram? Nada. O governo federal alguma vez alocou
uma verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos
no morro ou nas músicas românticas sobre a "beleza dos morros
ao amanhecer", essas coisas... Agora, estamos ricos com a multinacional
do pó. E vocês estão morrendo de medo... Nós somos
o início tardio de vossa consciência social... Viu? Sou culto...
Leio Dante na prisão...
- Mas... a solução
seria...
- Solução? Não há
mais solução, cara... A própria idéia de "solução"
já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio?
Já andou de helicóptero por cima da periferia de São
Paulo? Solução como? Só viria com muitos bilhões
de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível,
uma imensa vontade política, crescimento econômico, revolução
na educação, urbanização geral; e tudo teria de
ser sob a batuta quase que de uma "tirania esclarecida", que pulasse
por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do
Legislativo cúmplice (Ou você acha que os 287 sanguessugas vão
agir? Se bobear, vão roubar até o PCC...) e do Judiciário,
que impede punições. Teria de haver uma reforma radical do processo
penal do país, teria de haver comunicação e inteligência
entre polícias municipais, estaduais e federais (nós fazemos
até conference calls entre presídios...) E tudo isso custaria
bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial
profunda na estrutura política do país. Ou seja: é impossível.
Não há solução.
- Você não
têm medo de morrer?
- Vocês é que têm
medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não
podem entrar e me matar... mas eu posso mandar matar vocês lá
fora.... Nós somos homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba...
Estamos no centro do Insolúvel, mesmo... Vocês no bem e eu no
mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira.
Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração... A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala... Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em "seja marginal, seja herói"? Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha... Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né?
Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante...mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país. Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem. Vocês não ouvem as gravações feitas "com autorização da Justiça"? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.
- O que mudou nas
periferias?
- Grana. A gente hoje tem.
Você acha que quem tem US$ 40 milhões como o Beira-Mar não
manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório...
Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado?
Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila,
é despedido e jogado no "microondas"... ha, ha... Vocês
são o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Nós temos
métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos
e burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio. Vocês,
em terra estranha. Nós não tememos a morte. Vocês morrem
de medo. Nós somos bem armados. Vocês vão de três-oitão.
Nós estamos no ataque. Vocês, na defesa. Vocês têm
mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês
nos transformam em superstars do crime. Nós fazemos vocês de
palhaços. Nós somos ajudados pela população das
favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês
são regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora,
somos globais. Nós não esquecemos de vocês, são
nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.
- Mas o que devemos
fazer?
- Vou dar um toque, mesmo
contra mim. Peguem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem
generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína
e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana? Não
tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas... O país está quebrado,
sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta
os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas. O Exército
vai lutar contra o PCC e o CV? Estou lendo o Klausewitz, "Sobre a guerra".
Não há perspectiva de êxito... Nós somos formigas
devoradoras, escondidas nas brechas... A gente já tem até foguete
antitanques... Se bobear, vão rolar uns Stingers aí...Pra acabar
com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas... Aliás,
a gente acaba arranjando também "umazinha", daquelas bombas
sujas mesmo.... Já pensou? Ipanema radioativa?
- Mas...não
haveria solução?
- Vocês só podem
chegar a algum sucesso se desistirem de defender a "normalidade".
Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma
autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco...na
boa...na moral... Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que
nós vivemos dele e vocês...não têm saída.
Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui,
mano, não há solução. Sabem por quê? Porque
vocês não entendem nem a extensão do problema. Como escreveu
o divino Dante: "Lasciate ogna speranza voi che entrate!" Percam
todas as esperanças. Estamos todos no inferno.
Música
de fundo em arquivo MIDI (experimental):
"Delibes pizzicato"
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