Preguiça de sofrer
Enviada por Mag Guimarães, Roterdã-Horlanda
Por
Zuenir Ventura
20 abril, 2007
Há 26 anos, elas cumprem uma alegre rotina: às
sextas-feiras pela manhã sobem a serra e descem aos domingos
à tarde, quando não permanecem a semana toda lá,
em sua casa de Itaipava, distante hora e meia do Rio. São
quatro irmãs de sobrenome Sette - Mily, a mais velha,
de 86 anos; Guilhermina (84), Maria Elisa (76) e Maria Helena
(73) - mais a cunhada Ítala (87), a prima Icléa
(90) e a amiga de mais de meio século, Jacy (78). O astral
e a energia da "Casa da sete velhinhas" são
únicos.
Elas cuidam das plantas, visitam
exposições, assistem a shows, lêem, jogam
baralho, conversam, discutem política, vêem televisão,
fazem tricô, crochê e sobretudo riem. Só
não falam e não deixam falar de doença
e infelicidade. Baixaria, nem pensar. Quando preciso tomar uma
injeção de ânimo e rejuvenescimento, subo
até lá, como fiz no último sábado.
Já viajamos juntos algumas vezes, como a Tiradentes,
por cujas redondezas andamos de jipe, o que naquelas estradas
de terra é quase como andar a cavalo. Tudo numa boa.
Elas têm uma sede adolescente de novidade e conhecimento.
Modéstia à parte,
são conhecidas como "As meninas do Zuenir".
Me dão a maior força. Quando sabem que estou fazendo
alguma palestra no Rio, tenho a garantia de que a sala não
vai ficar vazia. São meu público cativo e ocupam
em geral a primeira fila. Numa dessas ocasiões, com a
casa cheia, elas chegaram atrasadas e fizeram rir ao se anunciarem
a sério na entrada: "Nós somos as meninas
do Zuenir".
Nos conhecemos nos anos 70, quando
morávamos no mesmo prédio no Rio e Maria
Elisa, que é química, passou a dar aulas particulares
de matemática para meus filhos, ainda pequenos, de graça,
pelo prazer de ensinar. Depois nos mudamos, continuamos amigos
e nossa referência passou a ser a casa de Itaipava, onde
minha mulher e eu temos um cantinho, um pequeno apartamento
na parte externa da casa, os "Alpes
suíços". No começo o terreno não
passava de um barranco de terra vermelha. Hoje é um jardim
suspenso, com árvores e flores variadas que constituem
uma atração para os pássaros. Dessa vez,
não cheguei a tempo de ver a cerejeira florida, mas em
compensação assisti a uma exibição
especial de um casal de papagaios.
O interior da casa é um
brinco, não fossem elas meio artistas, meio artesãs,
todas muito prendadas, como se dizia antigamente. Helena e Jacy,
por exemplo, tecem mantas e colchas de tricô e crochê
que já mereceram exposições. Mily desafia
a idade preferindo as novas tecnologias e a modernidade, sem
falar no vôlei,
de que é torcedora apaixonada. Sabe tudo de computador
e, com Jacy, freqüenta todos os cursos que pode: de francês
a ética, de inglês a filosofia.
Na parede, Tom Jobim observa
tudo. A foto é autografada para Elisa, de quem ele foi
colega no Andrews. Aliás, nesse colégio da Zona
Sul do Rio, Guilhermina trabalhou 53 anos, como secretária
e professora de Latim, que ela ensinava pelo método direto,
ou seja, falando com os alunos. Ficou muito feliz quando na
praia ouviu, vindo de dentro do mar, o grito de alguém
no meio das ondas, provavelmente um surfista: "Ave, magister!".
Amiga de personagens como o maestro
Villa-Lobos, ela ajudou ou acompanhou a carreira de dezenas
de jovens que passaram por aquele tradicional colégio,
cujo diretor uma vez lhe fez um rasgado elogio público,
ressaltando o quanto ela era indispensável ao educandário.
No dia seguinte, ela pediu as contas, com essa sábia
alegação: "Eu quero sair enquanto estou no
auge, não quando não souberem mais o que fazer
comigo". Foi para casa e teve um choque, achando que não
ia suportar a aposentadoria. Durou pouco, porque logo arranjou
o que fazer. É tradutora e gosta muito de etimologia:
adora estudar a vida das palavras desde suas origens, principalmente
quando são gregas. Ah, nas horas vagas faz bijuterias.
Para explicar como se desvencilhou
do vazio de deixar um emprego de 53 anos e começar nova
vida já velha, Guilhermina usou uma frase que se aplica
a todas as outras seis velhinhas e que eu gostaria de adotar
também: "Tenho preguiça de sofrer".
Não são o máximo
as meninas do Zuenir?
Amor e poder,
paradoxo de nossa existência
Enviada pela autora, Piracicaba-SP
Por
Priscila de Loureiro Coelho, consultora e poetisa
9 junho, 2006
Entre tantos paradoxos que encontramos
em nossa vida, esse é, provavelmente o mais complicado
de se equilibrar. Por séculos o homem vem lidando com
ele da melhor forma que pode o que tem se mostrado bem aquém
do ideal. Com a modernidade esta dicotomia ganhou proporções
mais definidas, e uma valoração mais robusta.
Isso apenas agravou a já delicada habilidade em lidar
com ela.
Dentro do cenário atual temos a prática de ambas
as forças de modo arbitrário, esboçando
um futuro um tanto complexo e sombrio. Precisamos entender que,
embora sejam paradoxais, estes dois elementos necessitam estar
emparelhados, para que possibilite uma qualidade de vida melhor.
Poder sem amor, é desastroso; amor sem poder é
frágil. Vivemos em meio à tensão destas
duas forças vitais, e só há possibilidade
de não nos desgastarmos inutilmente, se conseguirmos
em alguma medida, conciliar as duas. A síntese destas
energias se faz necessária para que se atenue sua tensão.
O amor implica maturidade, capacidade de se doar, de acolher
e partilhar. O amor, diferente da paixão, sendo uma energia
propulsora das mais sublimes; é irresistível,
o que a torna um foco que promove a união, convergência
e harmonia aos que circulam em sua órbita.
Portanto o Amor lidera o espaço das emoções,
podendo ser considerada como a mais elevada, mais pura e pro
ativa. Claro está que é preciso distinguir-se
bem o amor da paixão; caso contrário corre-se
o risco de fomentar maior dificuldade ao buscar, na prática,
o equilíbrio almejado.
Pode-se considerar a paixão como prelúdio do amor.
Embora seja proveniente dele, é energia mais superficial,
periférica e, portanto, menos duradoura. Inflama-se com
facilidade, mas não se mantém viva por faltar-lhe
combustível que lhe dê continuidade.
Quando apaixonado o homem deixa de ser razoável, e embora
pareça estar encantado com o outro, no fundo está
embevecido pelo prazer que este estado lhe provoca, e por isso
mesmo, tornando-se mais egoísta.
Estudos demonstram que quando, antes de apagar, ela se transmuta
adquirindo qualidades mais elevadas, recebendo um toque sublime
e ao mesmo tempo adequando-se ao cotidiano como cenário
em que se deslocará, acontece a transformação.
Uma quase alquimia permitindo ao ser humano a experiência
única de amar.
Essa mutação assegura à humanidade não
só o prazer, a sensação inebriante de sentir-se
amado e parte de outro, como desenvolve a capacidade de experimentar
as mais variadas formas de amor. Antes de apaixonar-se, poderiam
apresentar-se em preto e branco, e após essa experiência,
descortinam-se nas mais variadas e belas matizes, tornando-os
bem mais atrativos, o que predispõe o ser humano a amar
mais e melhor. O amor, enfim, faz do homem um ser menos egoísta,
uma vez que o foco de suas atenções passa a ser
o outro e não mais ele mesmo.
Mas se ao amar não exercer com prudência o bom
senso, esta energia corre o risco de se perder deixando de produzir
os benefícios que potencialmente pode realizar.
Já o Poder implica responsabilidade, capacidade de discernimento,
o senso de justiça e mais ainda, a compreensão
da ética. Considera-se ética o conjunto de valores
que norteia o comportamento dentro da sociedade, valores amplos
que dizem respeito ao ser humano, e alguns mais restritos que
se projetam dentro da cultura, do grupo em questão.
Quando o poder é despido destes quesitos, torna-se exacerbado,
inflamando-se de modo insensato. Um poder assim, espalha discórdia
e insatisfação por onde se instalar, gerando violência
nos mais variados graus, apenas dependendo da extensão
e abrangência que abarca sua área de atuação.
. Tanto quanto o amor, o poder exerce sobre o ser humano um
fascínio envolvente, provocando um estado que se assemelha
a paixão.
É evidente que tal poder é nocivo e destruidor.
Contendo elementos positivos, passa a atuar como variável
indesejada já que aciona a discórdia e entraves
nos relacionamentos, bem como abre um espaço perigoso
para a corrupção. O poder isento de emoções
maduras e estáveis é responsável pela injustiça
e privação de direitos inquestionáveis
de todo ser humano.
O que se deve buscar com objetividade e persistência é,
pois, o equilíbrio entre ambas as forças, como
o único caminho para se promover, dentro da esfera pessoal
e coletiva, um movimento harmônico que propicie o exercício
da cidadania, em sua forma mais elevada e essencial.
Não é preciso ir tão longe para conferir
o comportamento das pessoas em relação a estas
duas energias. Tão pouco se precisa imaginar o desajuste
que provoca na sociedade. Uma observação mais
acurada ao que se passa ao nosso redor será suficiente
para perceber os equívocos e seus efeitos desastrosos
dentro da vida cotidiana de todos nós.
O que se faz necessário, e com certa urgência,
é atentar-se com agudeza de espírito para cada
escolha que se faz. Deve-se iniciar esta aventura nos limites
rasos da vida pessoal, exercendo com responsabilidade cada singelo
poder que nos foi outorgado no contexto do cotidiano. No lar,
na vida comunitária, nos grupos sociais, religiosos,
na vida profissional, em todos os âmbitos de nosso viver.
Eis o desafio, o convite que a vida nos faz. Acena a possibilidade
de experimentarmos uma qualidade de vida superior, exercendo
com liberdade escolhas que irão compor nosso destino,
e realizar obras que exigem poder e amor.
Nenhum dom em potencial resolve coisa alguma. Para que se torne
realidade é preciso que se transforme em ação
e na ação adequada e compatível com o dom
que optamos para desenvolver.
Amor e poder são forças inerentes ao ser humano
e responsáveis por uma fatia especial de nossa existência.
Dosar ambas as energias, experimenta-las em sua grandeza e desfrutar
os benefícios que produzem, são proposições
na vida de todo cidadão.
Amor e poder são os instrumentos que dispomos para exercer
plenamente nossa liberdade.
Virá o tempo
Enviado pelo autor
Por
Daniel Cristal
27 abril, 2006
Virá o tempo em que toda a nossa relação
com o tempo, com o espaço e com a comunidade, é
uma aceitação tácita de empatia pura, uma
concordância inquestionável.
Se não chegou ainda esse
tempo, é porque não chegou a hora da verdade,
ainda não nos adentrou o poder da sabedoria, não
adquirimos ainda o tempo do Amor.
Virá o tempo em que o
tempo não mais é contado, e é aceito como
se o princípio fosse o fim, e o ômega o seu alfa,
e a civilização deixe de ser dividida em vários
ismos, em compartimentos, alguns estanques, com cismas e outros
sismos, outros desaparecidos, diluviados.
A civilização ainda
não encontrou o seu sentido de empatia global, ainda
não acertou no tempo em que a verdade é tácita,
em que a sabedoria é natural e universal, e não
uma extensão de utópicas realidades, ou um desnudamento
da complexidade apregoada, defendida e abusada.
Ainda não chegou o tempo
em que o poder é compartilhado; ele ainda é partilhado,
mas ao sabor dos que estancaram e confinaram o espaço
em quintas e coutos murados, o tempo em urgências e premências,
ou em esperas infindáveis, a sabedoria em conhecimentos
de espertezas mais ou menos saloias, vorazes e cerceadoras de
usufrutos universais.
Virá o tempo em que não
há mais esperas, porque terão acabado as vésperas
dos dias sonhados. Não se espera o que já se alcançou
na plenitude. E essa sabedoria precisa de começar dentro
de nós, e sermos nós a expandi-la sem tibiezas
nem constrangimentos. Enquanto a questionarmos, apenas pertenceremos
ao rebanho que ainda não se soltou. E temos de mostrar
bem nitidamente que já não lhe pertencemos. O
rebanho está tresmalhado, porque há gente que
se libertou...
Que se libertou do tempo, do
espaço e da comunidade. Libertou e ficou diferente; até
ficou malhado! Zegrado, se quiserem! É preciso que se
note essa diferença, em nós e nos outros. Aí
sim abusemos da nossa diferença. Exibamos às escâncaras
essa distinção.
É da empatia pura que
eu falo. Não falo mais do que é igual, semelhante
ou parecido ao que era dantes. Mostremos que estamos fora do
tempo, porque o tempo já não mais nos limita,
e o espaço tolhe o passo de quem não se livra
dele. Malhemos a nossa comunidade.
Virá o tempo, em que não
se falará mais de utopia, porque esta deu lugar à
empatia, e a empatia não é mais nenhuma utopia.
É um modo de ser que começou por ser uma experiência
vivida por alguns, mas generalizou-se; ela teve o desplante
e a desfaçatez de generalizar-se, e há comunidades
pequenas que se globalizaram. Qualquer dia, o mundo não
é mais o mesmo. É o outro que vê o arco-íris
numa simples gota de lua.
Se ainda não chegou esse
tempo, é porque a verdade ainda não se vê
à luz do sol, é verdade escondida em alguns, e
estes ainda não abusaram do poder que ela tem ao escancarar-se,
ainda não nos adentrou o poder total da sabedoria, ainda
não vivemos o tempo do Amor.
Contudo, há de chegar
o tempo da empatia pura. Aos poucos, numa construção
peça-a-peça, como um edifício construído
aos bocados, interminavelmente, com sabedoria, com a Idade do
Amor. Não precisa de estar concluído. Nunca precisará
de nenhuma conclusão. O fim e princípio confundir-se-ão;
anular-se-ão. Como se as resistências humanas contrárias,
e o tempo e o espaço, não sejam mais precisos
para coisa nenhuma ao entendimento do que é mundo.
Edição
anterior
Música
de fundo em arquivo MID (experimental):
"Hoje", de Taiguara
Seqüência MIDI: Hiram Araújo Lima
Nota para a seqüência MIDI: *****
Inspire-se.
Faça sua crônica

|
Segundo o Aurélio,
crônica é "a narração
histórica ou registro de fatos comuns, feitos por
ordem cronológica. Genealogia de família
nobre. Pequeno conto de enredo indeterminado".
No jornalismo é redigido de forma livre e pessoal,
e tem como temas fatos ou idéias da atualidade,
de teor artístico, político, esportivo etc.,
ou simplesmente relativos à vida cotidiana.
É também uma seção ou coluna
(revista ou jornal) consagrada a um assunto especializado.
O conjunto das notícias ou rumores relativos a
determinado assunto.
Portanto,
faça a sua crônica.
Envie para o
Jornal
dos Amigos.
|
Participe
do Jornal
dos Amigos, cada
vez mais um jornal cidadão
O Jornal dos
Amigos agradece a seus colaboradores e incentiva os leitores
a enviarem textos, fotos ou ilustrações com sugestões
de idéias, artigos, poesias, crônicas, amenidades,
anedotas, receitas culinárias, casos interessantes, qualquer
coisa que possa interessar seus amigos. Identifique-se com nome,
cidade onde reside e cite autoria. Escreva para o e-mail:

Se
o conteúdo estiver de acordo com a linha editorial do
jornal, será publicado.
Não esqueça de citar seu nome, a cidade de origem
e a fonte da informação.
Solicitamos
a nossos colaboradores que, ao enviarem seus textos, retirem
as "flechas", isto é, limpem os textos daquelas
"sujeiras" de reenvio do e-mail. Isso facilita bastante
para nós na edição.
Início
da página
www.jornaldosamigos.com.br