O
verdadeiro sentido da Páscoa
Por
José Luiz C. Duarte
Para entendermos
a Páscoa cristã, vamos, sinteticamente,
buscar sua origem na festa judaica de mesmo nome. O
ritual da Páscoa judaica é apresentado
no livro do Êxodo (Ex 12.1-28). Por
essa festa, a mais importante do calendário judaico,
o povo celebra o fato histórico de sua libertação
da escravidão do Egito acontecido há 3.275
anos, cujo protagonista principal desse evento foi Moisés
no comando de seu povo pelo mar vermelho e deserto do
Sinai.
O evento ÊXODO/SINAI
compreende a libertação do Egito, a caminhada
pelo deserto e a aliança no monte Sinai (sintetizado
nos dez mandamentos dado a Moisés). De evento
histórico se torna evento de fé. A
passagem do mar vermelho foi lembrada como Páscoa
e ficou como um marco na história do povo hebreu.
Nos anos seguintes ela sempre foi comemorada com um
rito todo particular.
Todo ano, na noite de
lua cheia de primavera, os hebreus celebravam a Páscoa,
com o sacrifício de cordeiro e o uso dos pães
ázimos (sem fermentos), conforme a ordem recebida
por Moisés (Ex 12.21.26-27; Dt 12.42). Era uma
vigília para lembrar a saída do Egito
(forma pela qual tal fato era passado de geração
em geração Ex 12.42; 13.2-8).
Essa celebração
ganhou também dimensão futura com o passar
do tempo. E quando novamente dominados por estrangeiros,
celebravam a Páscoa lembrando o passado, mas
pensando no futuro, com esperança de uma nova
libertação, última e definitiva,
quando toda escravidão seria vencida, e haveria
o começo de um mundo novo há muito tempo
prometido.
A celebração
da Páscoa reunia três realidades distintas:
- uma realidade do passado:
o acontecimento
histórico da libertação do Egito
quando Israel tornou-se o povo de Deus;
- uma realidade do presente:
a memória ritual (=celebração)
do fato passado levava o israelita a ter consciência
de ser um libertado de Javé (=Deus),
não somente os antepassados, mas o sujeito
de hoje (Dt 5.4);
- uma realidade futura:
a libertação do Egito era símbolo
de uma futura e definitiva libertação
do povo de toda a escravidão. Libertação
esta que seria a nova Páscoa, marcando o fim
de uma situação de pecado e o começo
de uma nova era.
Jesus oferecendo seu
corpo e sangue assume o duplo sentido da páscoa
judaica: sentido de libertação e de aliança.
E ao celebrar a Páscoa (Mt 26.1-2;17-20), Ele
institui a NOVA PÁSCOA, a Páscoa da libertação
total do mal, do pecado e da morte numa aliança
de amor de Deus com a humanidade.
A nova Páscoa
não era uma libertação política
do poder dos romanos, como os judeus esperavam. Poucos
entenderam que o Reino de Deus transcende o aspecto
político, histórico e geográfico.
Hoje, ao celebrarmos
a Páscoa, não o fazemos com sacrifício
do cordeiro e alimentando-nos com pães sem fermento,
pois Cristo se deu em sacrifício uma vez por
todas (Jo 1.29; 1Cor 5.7; Ef 5.2; Hb 5.9), como cordeiro
pascal, como prova e para nos libertar de tudo aquilo
que nos oprime.
Os símbolos
da Páscoa
Nas últimas cinco
décadas a humanidade se transformou. O capitalismo
tomou conta do mundo e transformou tudo (ou quase tudo)
em fonte de capital, de lucro, de consumo. Assim as
festas -grande parte de caráter religioso- se
tornaram ocasião de um consumo maior. Entre elas
temos o Natal, Páscoa, dia das mães, dia
dos pais e até o dia das crianças.
Com a profanização,
esses eventos perderam seus sentidos originais, humanos,
familiares e religiosos. E hoje a riqueza simbólica
das celebrações muitas vezes não
passa de coisas engraçadas, incomuns e sem sentido.
Por isso, o propósito
deste artigo é tentar resgatar um pouco o sentido
das coisas, das festas e celebrações e,
simultaneamente, refletir sobre o sentido da vida humana.
Não pretendemos
estudar profundamente todos os símbolos da Páscoa
cristã, mas mostrar o sentido cristão
de alguns deles.
Os
ovos de páscoa
Na antiguidade os egípcios
e persas costumavam tingir ovos com cores da primavera
e presentear os amigos. Para os povos antigos o ovo
simbolizava o nascimento. Por isso, os persas acreditavam
que a Terra nascera de um ovo gigante.
Os cristãos primitivos
do oriente foram os primeiros a dar ovos coloridos na
Páscoa simbolizando a ressurreição,
o nascimento para uma nova vida. Nos países da
Europa costumava-se escrever mensagens e datas nos ovos
e doá-los aos amigos. Em outros, como na Alemanha,
o costume era presentear as crianças. Na Armênia
decoravam ovos ocos com figuras de Jesus, Nossa Senhora
e outras figuras religiosas.
Os ovos não eram
comestíveis, como se conhece hoje. Era mais um
presente original simbolizando a ressurreição
como início de uma vida nova. A própria
natureza, nestes países, renascia florida e verdejante
após um rigoroso inverno.
Em alguns lugares as
crianças montam seus próprios ninhos e
acreditam que o coelhinho da Páscoa coloca seus
ovinhos. Em outros, as crianças procuram os ovinhos
escondidos pela casa, como acontece nos Estados Unidos.
Antigamente, me lembro,
há mais de 20 anos, o costume era enfeitar e
pintar ovos de galinha, sem gema e clara, e recheá-los
com amendoim revestido com açúcar e chocolate.
Os ovos de Páscoa, como conhecemos hoje (de chocolate),
era produto caro e pouco abundante.
De qualquer forma o ovo
em si simboliza a vida imanente, oculta, misteriosa
que está por desabrochar.
A Páscoa é
a festa magna da cristandade e por ela celebramos a
ressurreição de Jesus, sua vitória,
sua morte e a desesperança (Rm 6.9). É
a festa da nova vida, a vida em Cristo ressuscitado.
Por Cristo somos participantes dessa nova vida (Rm 6.5).
O chocolate
Essa história
tem seu início com as civilizações
dos Maias e Astecas, que consideravam o chocolate como
algo sagrado, tal qual o ouro. Os astecas usavam-no
como moeda.
Na Europa aparece a partir do século XVI, tornando-se
popular rapidamente. Era uma mistura de sementes de
cacau torradas e trituradas, depois juntada com água,
mel e farinha. O chocolate, na história, foi
consumido como bebida. Era considerado como alimento
afrodisíaco e dava vigor. Por isso, era reservado,
em muitos lugares, aos governantes e soldados. Os bombons
e ovos, como conhecemos, surgem no século XX.
Os coelhos
A tradição
do coelho da Páscoa foi trazida para as Américas
pelos imigrantes alemães em meados do século
18. O coelho visitava as crianças e escondiam
os ovinhos para que elas os procurassem.
No antigo Egito o coelho
simbolizava o nascimento, a vida. Em outros pontos da
terra era símbolo da fertilidade, pelo grande
número de filhotes que nasciam.
Eles também têm
a ver com a vida, mas à abundância da vida,
inesgotável, de se multiplicar sem se esgotar.
Qual a relação disso com os coelhos?
Cristo, para o cristianismo,
é essa Vida Nova, inesgotável e abundante.
A liturgia do Sábado
Santo e do Domingo da Páscoa está repleta
de símbolos. Vejamos alguns deles:
O fogo
No Sábado Santo
a celebração é iniciada com a bênção
do fogo, chamado de "fogo novo". Os agricultores,
desprovidos de tecnologia e de conhecimento, utilizam
o fogo, uma técnica milenar e primitiva, para
limpar o terreno que será destinado ao plantio.
Nesse caso o fogo limpa aquele espaço do mato
das ervas daninhas e de tudo aquilo que prejudica ou
é obstáculo para o plantio. Em grandes
incêndios florestais o fogo aparece como uma força
destruidora e às vezes incontrolável e
invencível, como aconteceu recentemente nos Estados
Unidos e Grécia.
Na liturgia, Cristo é
esse fogo que veio limpar o mundo do pecado, da desesperança,
do ódio pregando e instaurando o Reino de Deus
(Mt 3.11; Mt 13.40; Lc 12.49; Hb 12.29).
A Sua ressurreição
mostra que Ele destruiu até a morte, o grande
medo humano. O pecado foi vencido pela graça
de sermos filhos de Deus, templos de Deus (Gl 4.7; Rm
8.14). O ser "imagem e semelhança de Deus"
descrito na criação, conforme o livro
do Gênesis
(Gn 1.26), foi restaurado por Ele. A esperança
por um mundo novo, justo e solidário foi reacendida.
A
Água
Em nossa vida diária,
utilizamos esse bem precioso para matar nossa sede,
para limpar de nosso corpo a sujeira e suor, para fazermos
comida e para limpeza doméstica. A água
é também alimento principal das plantas
e meio de vida dos animais aquáticos. Ela também
pode ser sinônimo de destruição,
como acontece nas grandes enchentes.
Para o cristianismo:
Cristo é a verdadeira Água (Jo 4,9-15);
a Água da vida que livra para sempre o homem
do egoísmo e da maldade, desde que ele queira
beber dessa Água; a morte e ressurreição
de Jesus destruiu para sempre a incerteza do futuro
e própria morte trazendo à humanidade
o verdadeiro sentido da vida.
O batismo é a
resposta do ser humano à proposta de Deus. Por
isso após a bênção da água
se realiza a renovação das promessas batismais
(Rm 6.1-11).
A aspersão do
povo com água benta simboliza a nossa disposição
em nos limpar de tudo aquilo que fere e prejudica o
outro.
O Cordeiro
O cordeiro é o
símbolo mais antigo da Páscoa. No Antigo
Testamento, a Páscoa era celebrada com os pães
ázimos (sem fermento) e com o sacrifício
de um cordeiro como recordação do grande
feito de Deus em prol de seu povo: a libertação
da escravidão do Egito. Assim o povo de Israel
celebrava a libertação e a aliança
de Deus com seu povo.
No Novo Testamento, Cristo
é o Cordeiro de Deus sacrificado uma vez por
todas em prol da salvação de toda a humanidade.
É a nova Aliança de Deus realizada por
Seu Filho, agora não só com um povo, mas
com todos os povos.
Óleos
Santos
Na antiguidade os lutadores
e guerreiros se untavam com óleos, pois acreditavam
que essas substâncias lhes davam forças.
Para nós
cristãos, os óleos simbolizam o Espírito
Santo, aquele que nos dá força e energia
para vivermos o evangelho de Jesus Cristo.
Pão
e vinho
O pão e o vinho,
sobretudo na antiguidade, foram a comida e bebida mais
comum para muitos povos. Cristo
ao instituir a eucaristia se serviu dos alimentos mais
comuns para simbolizar sua presença constante
entre e nas pessoas de boa vontade. Assim, o pão
e o vinho simbolizam essa aliança eterna do Criador
com a sua criatura e sua presença no meio de
nós.
O porquê da
Páscoa não ser no mesmo dia todo ano
A origem é a Páscoa
dos judeus, comemorada sempre no domingo da primeira
lua cheia da primavera (outono para nós do hemisfério
sul). Isso ocorre entre 22 de março e 24 de abril.
Conclusão
Para nós, os cristãos,
o centro de nossa fé será sempre Cristo
que morreu e ressuscitou para nos mostrar que o Reino
de Deus pregado por Ele está presente e vivo
entre nós. A utopia de um mundo irmão,
de paz e solidariedade é possível e é
esse Reino. A vida, a morte e a ressurreição
de Jesus são a concretização dessa
utopia (Lc 17.21; Lc 21.28-33).
A partir desses pressupostos
todos os símbolos são fáceis de
serem entendidos.
A Páscoa
judaica
Por
Ágabo Borges de Sousa
A Páscoa judaica
é marcada sobretudo pela refeição
(Seder) pascal, que é feita em família.
Além do jantar em família, eram celebrados
ritos no templo, incluindo o sacrifício do cordeiro,
hoje não se celebram mais esses ritos, mas há
leituras nas sinagogas.
No jantar da Páscoa
há alguns elementos importantes como o cordeiro
assado, pães ázimos, ervas amargas, ervas
doces e o molho doce com cor de tijolo. Na época
do templo o cordeiro pascal era sacrificado no próprio
templo, porém com sua destruição
isso não foi mais possível, mas ficou
a lembrança. Pois, na bandeja da páscoa
sobre a mesa do Seder, deve ter um osso grelhado, para
lembrar do cordeiro e um ovo, "para lembrar as
oferendas festivas que acompanhavam os sacrifícios"
(Mansonneuve, Festas Judaicas, p. 31). Talvez venha
daí nossa tradição do "ovo
da Páscoa", tão condenado por muitos
hoje.
O jantar da Páscoa
tem um caráter eminentemente didático,
ele ensina às gerações mais novas
a torah oral, pois o filho mais novo pergunta o sentido
de cada elemento e o pai ou oficiante responde com base
nos textos da torah, conforme ensinou Hillel e Gamaliel.
O rabino Gamaliel dizia: Quem não explicou os
três elementos que acompanham a Páscoa
não cumpriu com sua obrigação.
Essa explicação se dá no Seder
como resposta às perguntas do filho menor.
O Cordeiro Pascal (pesah)
"é o sacrifício da páscoa
de Jahwé, que passou as casas dos filhos de Israel
no Egito, quando feriu os egípcios e livrou nossas
casas" (Ex 12.27).
O Pão Ázimo
(matsah) simboliza a falta de tempo de fermentar a massa
do pão na saída do Egito. "E cozeram
bolos ázimos da massa que levaram do Egito, porque
ela não tinha levedado, porquanto foram lançados
do Egito; e não puderam deter-se, nem haviam
preparado comida." (Ex 12.39).
As Ervas Amargas (maror)
têm seu lugar porque os egípcios tornaram
a vida dos israelitas amarga com o sofrimento da escravidão.
"Assim lhes amargurava a vida com pesados serviços
em barro e em tijolos, e com toda sorte de trabalho
no campo, enfim com todo o seu serviço, em que
os faziam servir com dureza (Ex 1.14)". Hillel
introduz ainda o molho doce, cor de tijolo, lembrando
a produção de seu trabalho, no qual é
embebida a erva amarga para comer, pois a amargura da
servidão se tornou em doçura, graças
à salvação. Esse também
será o sentido das ervas doces.
O aspecto didático
da Páscoa é prescrito em Ex 12.25-26.
Há no Midrasch a apresentação de
quatro filhos, que representam quatro posturas diante
da cerimônia.
- O sensato, que quer
aprender o sentido da Páscoa, por compreender
ser ordenança de Jahwe;
- O insensato, que
não se compreende como parte da comunidade
pascal, se excluindo de sua própria origem;
- O ingênuo,
que desconhece o sentido e é esclarecido;
- O que não
sebe fazer pergunta, a este é explicado por
iniciativa do pai.
A Páscoa judaica
é assim, rica em sentidos pois representa uma
atualização da libertação
de Deus da escravidão egípcia, com uma
oportunidade de ensino doméstico da torah, mantendo
as gerações participantes da ação
libertadora de Jahwe na história.