Primeira
página
Resgate da
cultura popular
Enviado pela autora, Florianópolis-SC
Por
Márcia Reis Bittencourt
23 janeiro, 2007
O poema História de um homem que
era rico e ficou pobre foi resgatado de
cadernos escritos a mão, antigos e com
uma lingüagem arcaica, feitos por Maria
Souza Simas, minha avó materna e madrinha
de batismo.
O poema é de uma riqueza cultural tremenda
e revela o cotidiano de pessoas daquela época.
Minha avó nasceu em Nova Descoberta,
Tijucas, no dia 20 de dezembro de 1918. Faleceu
na mesma localidade em 15 de junho de 2001.
Casou-se com José Alexandre Simas, que
era viúvo e tinha três filhos:
Maria dos Santos Reis (minha mãe), Ilse
Simas Desidério e José Alexandre
Simas Junior (falecido). Dessa nova união
teve mais quatro filhos: Salvelina Maria Simas
Reis (que foi a filha herdeira dos cadernos
e das cantigas e que me emprestou), Eulina Simas
Moresco, João José Simas e Gualberto
Simas.
História de um homem
que era rico e ficou pobre
Por
Maria Souza Simas
1
Vou contar
uma história
No tempo da inocência
De um homem que sofreu
Havendo uma inocência
Fie-las maldizer a sorte
Vem faltar a paciência.
Em uma sexta-feira
Ouvi uma voz perguntar
Se quereres passar bem em moço
Ou quando velho ficar
Quando foi no outro dia
A voz torno-lhe a falar.
Ele chamou a mulher
Pegou então a contar
As três noites dessa parte
Ouvi uma voz perguntar
Se quereres for pobre em moço
Ou quando velho ficar.
Então lhe disse a mulher
Tenho um conselho a lhe dar
Quereis padecer em moço
Quando velho ficar
Você que enquanto for moço
Tem força para trabalhar.
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2
Foi um
dia para o serviço
Cumprir a sina cruel
Às nove horas do mesmo
Saindo da casa a mulher
Para o rio lavar roupa
Era porto da maré
Nesta mesma ocasião
Chegou um navio no porto
O capitão do navio
Viu a mulher ficou louco
Fez logo um mau juízo
Para fazer mal ao outro.
Chamou logo os empregados
Botaram na água o escaler
O capitão do navio
Saltou na barra de pé
Mandou uma meretriz
Para iludir a mulher.
A meretriz chamou ela
Mulher conversa comigo
E para tua felicidade
Se fizeres o que eu te digo
Que desta hora por diante
Tu terás gosto comigo.
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3
Então
a mulher lhe disse
Pedes para eu ouvir
A meretriz respondeu
O que me trás aqui
É de trazer-te um recado
De muito bem para ti.
O capitão do navio
É homem de profissão
Ficou muito apaixonado
Por tuas lindas feições
Ele mandou oferecer
Alma, vida e coração.
Ai a mulher zangou-se
Tratou de repelir
Mudamos desta conversa
Pois, ela não quero ouvir
Tu sabes que sou casada
Para que vens me iludir.
Não sejas, tola mulher,
Eu te iludo para o bem
Porque teu marido é pobre,
Não possue um só vintém
O capitão do navio
Nada falta tudo tem.
|
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4
Mulher
sae-te daqui
Não quero conselho seu
Meu marido já foi rico
Tudo que tinha perdeu
Hoje vive na miséria
Louvado seja meu Deus.
Você
com o capitão
Vive limpa e ansiosa
Anda de meia e botina
De ouro pedra e esmeralda
Para lhe servir todo fará
Não lhe faltará a criada.
Vaidosa e iludideira
Tudo isto tenho tido
Hoje me vejo na pobreza
Que só possuo um vestido
Porém honro até a morte
As barbas do meu marido.
O que fez a meretriz
Iludindo a pobrezinha
Eu não estou iludindo
Isto é caçoada minha
Se fosse para iludir
Por dinheiro eu cá não vinha.
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5
Depois
disse a meretriz
Mulher me faça favor
Meu marido neste instante
Lá de longe me chamou
Você vá junto comigo
Que eu sozinha não vou.
A mulher lhe perguntou
Você também é casada
Disse a meretriz eu sou
A outra ficou calada
Até que se levantou
E seguiram em camarada.
A meretriz conversava
Com respeito e atenção
A fim de botar a outra
Na vala da perdição
Até que pode chegar
A porta de embarcação.
A meretriz entrou logo
A outra ficou fora
Disse ela a traiçoeira
Tarda pouca, vamos embora,
Diz baixinho a meretriz
Seu capitão é agora
|
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6
A meretriz
a chamou
Com muita delicadeza
Senhora entre sem medo
Venha ver que boniteza
Afinal tanto iludiu
Que pode deixá-lo presa.
Aí veio o capitão
Fazendo muita gracinha
Vem aos meus braços mimosa
Quero dar-te uma boquinha
Meu coração minha vida
Agora é toda minha.
A mulher triste chorosa
Respondeu lhes com franqueza:
Seu capitão do navio
Reconheço que estou presa
Porém guardo até a morte
A meu marido firmeza.
Reconheço que estou presa
Nas ondas do mar perdida
Já hoje me considero
Uma infeliz desvalida
As barbas do meu marido
Hei de honrar toda vida.
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7
Vamos tratar
sobre o homem
Quando da roça voltar
Disse os filhos chorando
Mamãe aqui não chegou
Podemos imaginar
Podemos imaginar
Como este pobre ficou.
Assim que ele foi chegando
Estavam os filhos dando ais
Disse que de tua mãe
Nós não sabemos papai
Foi para o rio lavar roupa
Até aqui não voltou mais.
Saiu ele a procurar
Sempre com a fé em Deus
Perguntava a todo mundo
Nenhuma notícia lhe deu
Ninguém sabe ninguém viu
Aqui não apareceu.
Voltou o homem tristonho
Sem ter nenhuma demora
Percorreu a vizinhança
Botou os filhos na frente
Seguiu por ali afora.
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8
Com dois
dias de viagem
Encontrou um rio de nado
Pegou o filho mais velho
Foi botar do outro lado
Deixando o mais novo
Em um cantinho sentado.
Chega lá senta o filho
Volta de cabeça baixa
Chegou cá não achou o outro
Para o outro lado marcha
Chegando no outro canto
Procura o outro não acha.
Ai disse o pobre homem
Ai, meu Deus fico sozinho,
Já fiquei sem a mulher
Agora sem meus filhinhos
Só basta que Deus me seja
Protetor, pai padrinho.
Saiu por ali afora
Em um reinado chegou
Então falou para o rei
Para ser seu trabalhador
Ficou o homem trabalhando
Em uma horta de flor.
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9
Estando
ele quatro anos
Neste serviço grosseiro
Como era muito bom
Sério fiel verdadeiro
Para ser seu cozinheiro.
Passando mais quatro anos
Este rei caiu doente
Por não ter uma pessoa
Nem o reinado um parente
Chamou este cujo homem
Da cora fez presente.
Senhor me acho doente,
Não tenho quem me condoa
Passo-lhe meu testamento
Dou-lhe de presente a coroa
Tome conta do reinado
Para não ficar a toa.
Passo-lhe o testamento
Pegou a coroa e deu
Este rei quando fez isto
No outro dia morreu
Ficou ele como dono
E o reinado todo seu.
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10
Quando
foi no outro dia
Veio dois rapazes a chegar
Pedindo para sentar praça
Na guarda nacional
Chegando um navio no porto
Fez ponto à beira mar.
O capitão do navio
Pediu ao rei dos soldados
Para guarnecer o navio
Com medo de ser roubado
Foram os dois soldados novos
Que praça tinha sentado.
Um soldado disse ao outro
Homem não sei o que faço
Vivo no mundo sozinho
Chorando a minha desgraça
Se eu tivesse pai e mãe
Não tinha sentado na praça.
Quando ele disse isto
O outro disse ai
Você é como eu
Não tem mãe nem pai
Os meus tormentos são tantos
Que quase não falo mais.
|
11
Meu pai
era homem rico
E depois empobreceu
Animal, terra e gado
Tudo que tinha perdeu
Ficou só com minha mãe
Comigo e um irmão meu.
Foi um dia para o serviço
O seu dinheiro ganhar
Mamãe foi lavar roupa
Em um porto à beira mar
Veio a tarde e o Sol se foi
E nada dela chegar.
Meu pai saio à procura
Sempre com fé em Deus
E a todos perguntava
Ninguém notícia deu
Talvez ela caiu na água
Os peixes grandes comeram.
Voltou meu pai para casa
Consigo mesmo dizia
Não posso mais suportar
A esta horrenda tirania
Ele com este desgosto
Mudou-se de freguesia.
|
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12
Com dois
dias de viagem
Encontrou um rio de nado
Deixou-me em uma margem
Em um cantinho sentado
Pegou meu irmão mais novo
Foi botar no outro lado.
Esperei muito por ele
Até que não pude mais
Nada dele vir me ver
Eu só fiquei dando ais
Sem parente nem dirente
Sem irmão, sem mãe, sem
pai.
A mulher dentro do navio
Quando a história acabou
Veio olhar para os soldados
Rindo com maneira doce
Eles logo imaginaram
Que mau sentido fosse.
Aí a mulher voltou
Falou com o capitão
Onze anos desta parte
Que vivo nesta prisão
Se me levares ao palácio
Vos darei meu coração.
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13
Respondeu-lhe
o capitão
Eu para lucrar seus carinhos
Levo-te em qualquer lugar
Meu coração, meu benzinho
Só não levo-te no céu
Porque não sei o caminho.
A mulher saiu pensando
O que ela tinha no sentido
O capitão no palácio
Foi muito bem recebido
Quando ela foi chegando
Foi conhecendo o marido
Antes dela sentar-se,
Disse ao rei primeiro
Mande buscar os soldados
Que o navio guarneceram
Para contar uma história
Presente o seu conselheiro.
Levanto-se o capitão
Falando de certo jeito
Soldado não vai à corte
Porque não tem o respeito
Não é possível senhora
O seu pedido ser feito.
|
|
14
Então
respondeu ela
Senhor capitão eu sei
Soldado não tem respeito
Falo em presença do rei
Se não houvesse soldado
Também não havia lei.
Disseram os conselheiros
Estás muito bem apoiado
Mandaram um portador
Chamar os soldados
O capitão ficou logo
Um pouco desconfiado.
Quando os soldados chegaram
Ficaram ambos de fronte
Aí a mulher disse
Soldado quero que conte
Aquela história passada
Que vocês contaram ontem.
Senhora nós conversamos
Relativo a criação
Até que depois soubemos
Que nós dois somos irmãos
Foi esta nossa conversa
Outra não falamos não.
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15
Respondeu-lhe
a mulher
Foi esta que eu bem sei
Eu quero ela contada
É na presença do rei
Para ele escutá-la
Pelo artigo da lei.
Um soldado disse ao outro
Creio que estamos enrascado
Só relato este segredo
Porque me vejo obrigado
Então contou a história
Do jeito que foi passado.
Meu pai foi um homem rico
Depois empobreceu
Animais, terra e gado,
Tudo que tinha perdeu
Ficou com minha mãe
Comigo e um irmão meu.
Foi um dia para o serviço
O seu dinheiro ganhar
Minha mãe foi lavar roupa
Em um porto á beira-mar
Chegou à tarde o Sol se foi
E nada dela chegar.
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16
Meu pai
saio à procura
Sempre com fé em Deus
Ele à todos perguntava
Ninguém notícia lhe deu
Talvez ela caiu na água
E os peixes grande comeu.
Voltou meu pai para a casa
Consigo mesmo dizia
Eu não posso suportar
Esta horrenda tirania
Com este desgosto
Mudou-se de freguesia
Com dois dias de viagem
Encontrou um rio de nado
Deixou-me em uma margem
Em um cantinho sentado
Pegou meu irmão mais novo
Foi levar do outro lado.
Esperei muito por ele
Até que pude mais
Nada dele vir me ver
Eu só fiquei dando ais
Nem parente,nem dirente
Nem irmão,nem mãe,nem pai.
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17
O rei conheceu
os filhos
Pegou eles pela mão
Mandou trajá-los de príncipe
Na mesma ocasião
A mulher sempre com medo
Que não tivesse o perdão.
A mulher triste e chorosa
Dando suspiro e gemido
Contou ao seu esposo
Tudo o que tinha sofrido
Por todos foi apoiado
E teve perdão do marido.
Disse o rei ao capitão
Com toda força que tinha
Contigo logo eu converso
Esta mulher é minha
Dou-lhe as honras competente
E trajo como rainha.
Doze anos que andaste
Dentro do mar degredada
Levando descompostura
Sendo muito mal tratada
Sem ser falsa ao seu marido
Merece ser perdoada.
|
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18
Os filhos
foram exaltados
Foi perdoada a mulher
O capitão foi morrer
De um morte cruel
Fiquem todos na certeza
Quem Deus merece isto é.
Pegaram o capitão
E não quiseram matar
Fizeram uma fogueira
Vivo mandaram queimar
Pegaram a cinza dele
Jogaram dentro do mar.
Hoje os filhos são príncipes
Ele é rei de majestade
Sua mulher é rainha
De alta debilidade
Dêem a quem contar estas
Saúde e felicidade.
|
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